terça-feira, 30 de novembro de 2010

Tema da semana: caçula

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Tema: Giz

Desenhar coisas na areia é por si só um cliché tão completo que até o mar apaga pra não cansar.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Tema: Giz

Cerveja

Tem dias que são brancos, simplesmente são brancos e mais nada. Promoção do dia, gravado em giz branco no quadro negro. Segunda feira de feriado, mais ou menos sete da noite, e a chuva caía. Eu tava sentado naquela mesa de plástico grudenta há uns quarenta minutos, e nada dele. Quase no coração da cidade e a rua tava completamente vazia. A televisão tava ligada em algum filme idiota, os três funcionários sentados na mesa do lado assistindo. De vez em quando um passava o olho preguiçoso, conferia a cerveja, provavelmente ria da minha cara e ficava puto, era segunda feira de feriado e ele queria estar em casa, chovia. Aqueles que não conseguiram fugir da cidade tinham dignidade suficiente pra aceitar a chuva e ficar em suas camas vendo aquele filme idiota na tevê. Eu não. Quarenta minutos e nada. Liguei pra ele, disse que estava chegando, como sempre, e isso tinha sido há trinta minutos atrás. Mas não era um problema, a essa altura do campeonato eu já tinha me desligado de tudo, cortado todos os laços. Eu tava lá pra tomar cerveja, só não queria ficar sentado em algum bar vazio fazendo papel de alcoolatra. Na rua nem uma alma viva. Vez ou outra passava uma criança perdida. Eu esperava que alguém aparecesse e sentasse em alguma mesa, só pra preencher o vazio. Hora o garçom olhava, hora era o caixa, conferiam a cerveja, conferiam a figura e depois se voltavam pro filme idiota. Ao meu redor eu via a chuva caindo no asfalto, molhando o chão, deixando as luzes da cidade mais vivas e dançantes, as árvores balançavam, na calçada o quadro negro gravado em giz branco escorria com aquela água toda. Tinha muita poesia naquele momento. Em mim não.

Quando ele finalmente chegou, nos comprimentamos - friamente, ele se sentou e pediu um copo. Trocávamos algumas palavras e bebíamos. Falamos isso ou aquilo sobre a vida, sobre o tempo - chuvoso, sobre tempos - passados, quando por fim chegamos ao vazio da cidade, decidimos mudar de bar. A chuva agora era só uma massa húmida formada por minúsculas gotinhas, dava pra ir. Caminhávamos com as mãos nos bolsos, os olhos voltados pro chão. Os buracos da calçada, cheio de água suja, as bitucas boiando. Seguíamos, sem palavras, sem medo, sem nada. Beber por beber. Finalmente apareceu um buteco, fizemos da mesa nossa cama. Descansamos. A cerveja tava quente, e as pessoas eram estranhas. As pessoas das segundas de feriado chuvosas em buracos alheios sempre são estranhas. Gente bituca. Na primeira cerveja quase não falamos, na terceira as frases se alongavam, na sétima já cantarolávamos. Eis que um corpo cai, alguém que provavelmente exagerou na farinha, as pessoas arrodiaram, tinha gente chorando, rezando e até rindo. A ambulância passou, tudo normal. A chuva engrossou e nem a marquise dava mais conta de segurar, quem estava bêbado o suficiente ficou na chuva mesmo, bebendo cerveja com água suja, os outros se espremeram todos na salinha que era aquele lugar. Falávamos alto, ríamos alto, já não dava pra saber mais quem era amigo de quem. Todo mundo conversava junto, ria junto. De repente um travesti começou a cantar, foi muito bonito, todo mundo se calou, e só dava pra ouvir aquela bela voz e a chuva caindo no asfalto. Se alguém ali tivesse de chapéu ia tira-lo da cabeça e o seguraria em seu peito como voto de respeito. De alguma maneira todos nós fizemos isso. Pensávamos na vida, na rotina, nos pássaros que buscavam abrigos em canos. Não pensávamos.

A coisa só mudou quando ele puxou a primeira música do nelson. Todo mundo começou a cantar junto e dançar, faltou o cavaquinho, mas a gente fazia do jeito que dava, batucava na mesa, batia palma, e desse jeito foi indo. Todos dançavam, vestiam belos sorrisos na cara. Quando uma garrafa ou copo caía no chão todo mundo batia palma e dava um berro, não demorou muito pro primeiro subir na mesa, de repente a luz acabou. Mas ninguém ligou, a cerveja quente só ia esquentar mais um pouco e tinha muita cachaça pra amortecer. Alguns acenderam isqueiros, e tinha até vela. A dança e o canto não parava. Quando a luz finalmente voltou estávamos em outro bar. Dessa vez éramos cinco, a sinuca era a bola da vez, a jukebox marcava o rítimo. Os que tinham energia dançavam, batiam palmas, cantavam, os mais cansados se sentavam nas cadeiras batendo pé e esperando a vez no jogo. A cerveja ia e vinha e novamente o bar se unia, pessoas davam palpite, escolhiam músicas, mal deu tempo da festa começar e já andávamos pela rua, dois quarteirões e paramos novamente em um canto.

Sem chuva a união era menor, eram formados pequenos grupos, e dava para perambular entre eles. Falavam de tudo, não sei o quê traiu o movimento, novo cd de fulano de tal ta muito comercial, lá no senado a coisa ta feia. Todos tinham muita propriedade, homens sábios aqueles. Se pudessem reger o mundo acabariam com a fome, a miséria e a ignorância em minutos. O sol estava pra nascer quando ele se apaixonou por uma senhora, ela usava roupas coloridas e chuvapava um pirulito, ele fazia promessas de amor, ela ria e falava delícia de um jeito bem engraçado. As pessoas iam embora para suas casas e eu cansado novamente esperava por ele, dessa vez vivia seu amor descartável dentro do banheiro sujo. Enquanto isso eu ali na sarjeta tomando a última garrafa de cerveja possível do dia. Quando ele finalmente voltou, caminhamos rápido pela rua, suas mãos tremiam e eu preferi não tocar no assunto. Perto de onde encontramos no começo da noite nos despedimos, cada um seguiu seu rumo e eu nunca mais o vi, nem recebi notícias suas. Caminhando para casa, o sol batia forte na cabeça, minha boca estava igual ao deserto do Saara, meus joelhos desidratados doíam, minhas costas doíam, a vista cansada só queria apagar. Eu dividia a rua com trabalhadores a caminho do serviço, famílias que iam pra praça, pra igreja, senhores de idade que jogavam conversa fora na padaria, com o jornal de baixo do braço. Eu embriagado e sujo me senti mal. Olhei pro lado e vi aquele primeiro bar, onde passei minha quase hora sozinho, o quadro negro estava gravado em giz branco uma nova promoção do dia. Amanhã vai ser um dia melhor.

domingo, 7 de novembro de 2010

Tema: Giz

Poema retirado de um quadro-negro

Se parte de mim vira poesia completa
A outra vira pó.

Tema: Giz

Para Mendonça, Bonfá e Neto



A vida tal qual é... já não é mais. Não estou me queixando, aparento-me triste, mas é só a idade, acredite. Venha até aqui... dê uma olhada. Ficávamos ali, esperando mamãe Dinorá, sem se importar com o tempo da demora; não, não era costume a raiva florescer por tal razão. Lembro-me que levava no bolso uma ponta de giz branco para, em bons momentos, escrever em Francisco. Ahh! A Francisco Nunes; largas calçadas, lisas, uma planície de concreto, bons tempos de bolas de gude. Eram estouros frequentes, e com frequência também as perdia nesses recém bueiros instalados nos pés de Francisco.

Quando íamos à praia, logo do bonde via-se a temperatura da água. A maneira como as mocinhas, perdidas nas dunas de Copacabana, se portavam, dizia se o certo a fazer era aproveitar a mesma viagem para ir de volta pra casa, ou descer do bonde e ir de encontro ao desfrute. Copacabana era um solo fértil, criávamos muito. Ipanema ainda não tinha ganhado destaque, era terra de mulato.

Quando comecei a frequentar os bares dos alemães a beira-mar, conheci Lígia. Lígia era linda, era como o Jazz, um balanço descompassado. Vinha, bonita, naqueles uniformes da escola normal. A noite, trajando a moda dos vestidos de paetês, sentava-se sempre à mesa da frente para me provocar. E eu me encantava. Ela foi uma das primeiras que me chamou atenção. Mais tarde tive a infelicidade, por vezes, de vê-la chegar bêbada. Enquanto eu ficava em casa, compondo, Lígia ia, se perdia na noite. Houve uma época em que eu a amava muito, me permiti o sofrimento, mas não por muito tempo. Depois de um ano juntos, Lígia foi embora, e junto dela a boemia alemã.

Sentado nos novos bares, tupiniquins por excelência, lia muito a respeito de Mário e seus colegas de São Paulo, pretensiosos em inventar o Brasil. O mesmo Brasil que por aqui era inventado. Ipanema tinha uma nova importância. Ali eu e o poeta, mergulhados em conversas e whisky, via-mos a vida e as boas mulheres passando. Ela vinha, desde o final do Leblon, no antigo posto 12, rebolando, fazíamos pequenos comprimentos para ela, e tudo ficava bom. A moça não sabia o grau de influência que o seu balanço tinha na nossa música. Era novamente o Jazz, o brazilian Jazz. Temos muito a agradecer aquela garota. Ganhamos o mundo por sua causa.

Depois vieram os encontros no Au Bon Gourmet, e as noites cariocas nunca mais foram as mesmas. Já tínhamos muitas boas canções, sambas de primeira. O diplomata vinha de terno e gravata, o Itamaraty não gostava da idéia de vê-lo sempre enfornado nos bares da noite. Mas não poderia deixar de aparecer, ele era peça importante na roda. Era um letrista e tanto. Um poeta popular, e um boêmio genuíno. Foram bons encontros aqueles.

Ahh, mas era um tempo feliz, como sinto saudades. Agora, a minha janela não passa de um quadrado, só vejo Sergio Dourado, onde antes eu via o redentor. Não fui forte à pressão do saudosismo, e no janeiro de 1982 me atirei da varanda do meu apartamento. Foi um suicídio fracassado, passei quatro meses e onze dias em coma, mas sobrevivi com séria fratura no crânio que deixaria sequelas.

Hoje estou vivendo em Juiz de Fora, e o que me resta, além de um cantinho e um violão, é o velho piano, várias telas e as caixinhas de giz branco. Como, ultimamente, ando meio desligado, uma farsa de Rita cuida de mim e coloca a mesa do café, almoço e jantar todos os dias. Vivo como as crianças da rua Francisco Nunes.

domingo, 24 de outubro de 2010

Tema da semana: Giz

Tema: Ginástica Rítmica

Por mais ou menos uma semana as coisas corriam um pouco bem demais. Já me acusaram de gostar de sofrer ou até de masoquismo mas estou certo de que não é o caso: as coisas estavam muito bem. Averiguei nos não muitos metros quadrados da praia ao meu redor todas as árvores frutíferas, fontes de água doce, tudo pra me manter bem. Minha casinha ficava no lugar mais seguro e com a melhor vista e eu, sistemático que sou, listei, só de cabeça mesmo, todos os lugares que dava pra deitar e olhar alguma coisa, os que pareciam cenário de algum filme ou um quadro qualquer e os que me lembravam outros lugares. Pronto. Por uma semana tudo estava no lugar, a vida corria bem, tudo estava dentro dos conformes.
Mas com o tempo, de repente os conformes foram virando de cabeça pra baixo e tudo que era certo foi ficando errado e no final eu ficava só sentado vendo as ondas batendo uma atrás da outra, como se alguém girasse um pedal num ritmo constante, uma a uma, nas pedras desajeitadas e pontiagudas que faziam daquilo um deserto.
Naquela ginástica rítmica, uma onda mais forte chegou de mansinho até perto de mim, molhou meu pé e eu senti a agua, tênue e fresca. Aí eu pensei nas pedras e em como os ditados populares são sábios. Fechei os olhos e no "escuro" do fim de tarde eu vi a ultima cena daquele filme: "Le temps detruit tout".

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Tema: Ginástica Rítmica

Fita Amarela

Gi
-nástica -tmica Despor-ti-va. Ela dizia de boca cheia. É dança e é arte sabe? O som alto de sua voz invadia a sala com aquele seu sotaque paulista irritante. Os anos se passavam, o jeito de falar não. Tão pouco deixava de incomodar. Ela nem ao menos nasceu lá, morou por três anos e olhe lá, porque não fala normal que nem a gente daqui? Pensava de vez em quando. Naquelas vezes em que ele estava mais cansado, e ela parecia falar mais alto, e mais paulista. Nossa! Como eu era boa. Eu era tão bonita, tão harmoniosa. Se eu não tivesse quebrado a perna eu tinha até ido pra Atlanta em noventa e seis. Aquele noventa e seis, falado daquele jeito, dava uma dor de cabeça. Ainda esboçava uma cara de interessado, mesmo depois dos sete anos passados. Sete anos, sempre a mesma história. Depois de um longo dia de trabalho não era fácil. Balançava a cabeça, abria um sorriso hora ou outra e tomava o seu café silenciosamente. Ele era quieto, ela gostava disso. Podia contar suas histórias, ele iria ouvir. Se ela pudesse ouvir o que a cabeça dele dizia. Mas a boca se recusava a falar, e as coisas seguiam assim. O trabalho também não ajudava muito, o emprego de vendedor ia ser provisório, era pra segurar as despesas até ele se acertar, fazer aquela pós e virar professor. E de repente se passaram sete anos.

Gi-nástica -tmica Despor-ti-va. É dança e é arte sabe? Nossa! Como eu era boa. Eu era tão bonita, tão harmoniosa. Se eu não tivesse quebrado a perna eu tinha até ido pra Atlanta em noventa e seis. Esse jeito de falar, esse jeito de falar. Ele pensava enquanto mordia o canto da boca. Ela nem era tão boa assim, nunca ganhou nada, o que eu sei é que ela era uma promessa, assim como centenas de outras garotas pelo país. Podia muito bem ter voltado a treinar quando se recuperou que eu sei, eu sei, já conversei com o pessoal da cidade dela. Não. É mesmo é uma preguiçosa, que gosta de ficar sentada nesse sofá o dia inteiro vendo novela. Harmonia, graça, beleza? Não tem nem mais rastros disso, esses anos no sofá vivendo o passado deixaram ela fora de forma, seu jeito de andar era engraçado e desajeitado, seus sonhos são amarelados e tristes, estão virados ao avesso, são apenas uma lembrança morna e mentirosa. E esse sotaque, esse sotaque. A cabeça dizia, a boca não.

Gi-nástica -tmica Despor-ti-va. É dança e é arte sabe? Nossa! Como eu era boa. Eu era tão bonita, tão harmoniosa. Se eu não tivesse quebrado a perna eu tinha até ido pra Atlanta em noventa e seis. Mal tinha fechado a porta, o ponteiro apontava seis horas da tarde, tinha trabalhado o dia inteiro. Lidando com todos os tipos de pessoas, com aquele sorriso falso na cara, aquela simpatia fajunta. Olhou pra sala e viu aquela mulher, a televisão ligada como sempre, a mesa e o café frio esperando por seu silêncio e sua cara de interesse postiça. De repente ele para. Sua cabeça parou de pensar, se cansou de tanto dizer e a boca recusar a falar, e do corpo que nada faz. Sente na boca o gosto do café, o mesmo de todos os dias, sem calor, sem açúcar e sem afeto. Vê a mulher, que vê a tevê, que mostra pra ele que é tudo igual, a mesma trama, o mesmo horário. São seis horas e o tic tac do relógio diz, são seis horas e você não fez nada hoje, são seis horas e tem tempos que você não faz nada, nada que faça você esquecer das horas e de que lembre você que está vivo. Diz. Em tic tac mas diz.

Gi-nástica -tmica Despor-ti-va. É dança e é arte sabe? Nossa! Como eu era boa. Eu era tão bonita, tão harmoniosa. Se eu não tivesse quebrado a perna eu tinha até ido pra Atlanta em noventa e seis. Diz o homem com um sotaque paulista exagerado e nada natural. A mulher amarrada na cadeira da mesa de jantar sua frio, está assustada e surpreendida. O homem vestido com a sua velha roupa de ginástica, ilustra todo o absurdo da situação. Repetindo essas mesmas palavras com o falso sotaque e a voz de forma afeminada, ele corre pela casa rapidamente, agita as fitas da maneira mais harmoniosa que consegue. Primeiro ele quebra a televisão, depois o relógio, segue quebrando coisa atrás de coisa, repetindo as mesmas palavras, sua boca nunca falou tanto, seu sangue corre quente, a cabeça pensa: to vivo relógio filho da puta!

Gi-nástica -tmica Despor-ti-va. É dança e é arte sabe? Nossa! Como eu era boa. Eu era tão bonita, tão harmoniosa. Se eu não tivesse quebrado a perna eu tinha até ido pra Atlanta em noventa e seis. Essas palavras nunca mais foram ditas ou ouvidas naquele lar. Aliás tudo que era dito já não carregava mais sotaque algum, se não o da região. As seis horas eram indicadas apenas pela chegada do homem pois relógio algum ou televisão jamais habitaram aquele lar novamente. A mulher que tinha por ele agora respeito, ou medo (há quem diga que é tudo a mesma coisa) o recebia todos os dias com a casa limpa e um farto jantar posto a mesa. As nove da noite, o homem desfrutava sexualmente de seu corpo e ao terminar virava para o lado e dormia.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Tema: Ginástica Rítmica

Judite e Juarez

I
- Se por um acaso ele chegar você me grita, tudo bem?!
- Sim.
II
O gim tônica não foi o bastante...
- O meu sinhô, veja pra mim uma ginástica rítmica.
Foi dessa forma que eu perdi o juízo, numa mesa de bar em Manoel Urbano.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Tema: Ginástica Rítmica

Ginástica rítmico-regressiva de um título sem texto sem tema sem trama centrado em um homem monótono.

Ou

De perto, não há monotonia

Ou

Muitas vezes a gente não entende o ritmo das coisas.



Segunda:
Já se tinha visto aquele rapaz andando por aquelas bandas, assistindo filmes, comendo cachorro quente, roubando motocicletas, chupando refrigerantes em canudos de duas cores, amando perdidamente uma cadela-animal, chorando copiosamente por uma cadela-mulher, ligando pros pais, rezando pros livros rasgados e jogados na privada de um banheiro público, transando com cheiros, limpando o azar, correndo de medo, morrendo de só, sozinho de tudo, sorrindo pra vida, beijando crianças, subindo em árvores, chutando maçãs, espremendo morangos morangos morangos morangos pra quê?.
Ele vendia dinheiro no mercado livre. Dez horas da manhã, diariamente anunciava NOTA DE UM REAL, R$ 2,00. Era dia 05 – datas são importantes – ele comprou uma centrífuga. Jogou todo o leite com toddy, esperando tomar marilyn monroe no café da manhã, que saiu na hora do almoço. Saiu pra trabalhar, espera aí – que trabalho? Demitiu-se ali na Tupis, antes mesmo de chegar ao prédio. Chegou em casa, tirando os tênis, correu para a televisão, abriu-a, pois queria pintar com aquelas cores ali de dentro. Pegou a tela, levou pro banheiro, de frente pro espelho encenou bruce wills. Ele era, era sim, o bruce wills, tomando um refrigerante, chupado por um canudo de duas cores.
Isso tudo na segunda.

Terça:
Alguém observava, era certo. Saiu no meio do filme, chorou pela cadela-animal no meio da rua morta – isso mesmo, rua morta; ligou pra cadela-mulher e confessou amar os pais perdidamente, rasgando a vida, sorrindo pra privada de um banheiro publico, sozinho de tudo, transando só, morrendo copiosamente nos livros, espremendo árvores, beijando maçãs, chupando morangos, limpando cheiros roubados, que azar azar azar azar azar az.
Ar, ele pediu um pouco de ar ao conseguir largar aquela rua, descer a Gonçalves Dias, chegar à Bias Forte, largar mão daquela praça.
Correu pra comprar pipoca – mas deixou o dinheiro à venda no mercado livre. De todo jeito, faltavam R$0,50. De grão em grão em grão em grão em grão em grão – um saco inteiro de pipoca.


Quarta:

Isso era quarta.

Ele não ligou pra vida, não comeu quase nada, roubou motocicletas de novo, espremeu, chupou, limpou, beijou, correu de crianças, limpou a privada, sorriu para o azar, transou com os pais, cadela-mulher e todos os livros, subiu só, rezou pelo medo, medo, medo, medo, medo, medo, medo, morreu só, sozinho de tudo, no banheiro publico.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Tema da Semana: Ginástica Rítmica

Tema: Amarelo

Jogo Amarelo

A faculdade era de um lado da cidade, a casa era do outro e mais um pouco. Até que dava pra pegar um ônibus só, era daqueles especiais que vão longe mas não tão longe assim, não era azul, nem vermelho. Com o trânsito e as paradas, levava duas horas pra chegar em casa. Tinha dia que a aula estendia da manhã até o fim da tarde, quando o cansaço já batia forte, lá eu seguia a caminho do meu rotineiro ônibus amarelo. Nas ilhas de calor do centro da cidade, o trânsito apertava, o ritmo lento e a efervescência do metal e do asfalto e do metal e do asfalto, acho que é disso que o centro da cidade é feito, metal e asfalto, e na hora que a coisa esquenta parece que vai virar tudo um só. E no meio desse um só, tinha eu, e um tanto de gente respirando o mesmo ar dentro daquela lata de sardinha gigante. Depois de um longo dia de aula, o sol das quatro catalisava todo este cenário em uma sensação desagradável por onde minha mente percorria, eu era tomado de uma espécie de sono, tédio e confusão mental. O sol forte brilhava no chão e nos carros, refletia direto em meus olhos, minha vista era tomada por um tom amarelado e até as gotas de suor do meu corpo resplandesciam. A cabeça não funcionava direito. Quando o tempo parecia que tinha parado, eu finalmente chegava no meu ponto, ainda atordoado seguia o caminho de casa para por fim terminar meu dia.

Certo dia, um daqueles dias bem cansados, provavelmente uma quinta feira, onde o corpo já pede pelo fim de semana, onde tampouco receberá descanso. Eu estava sentado no meu acento de sempre, dentro do ônibus amarelo, fazendo minha cara de poucos amigos, eu nem sei porque eu fazia aquela cara, no final das contas o ônibus ia acabar enchendo e alguém ia ter que sentar ali de qualquer forma, acho que era pra adiar a desgraça. Fim do dia, cansaço, trânsito, calor, e uma pessoa me espremendo naquele espaço mínimo? É, desgraça. Minha técnica já seguia infálivel por mais de três pontos, eu desfrutava com alegria o meu respirável espaço, acho que a situação provavelmente me fez amolecer, quando eu mal reparei aquela figura já estava sentada do meu lado. Logo não fui com sua cara. Sua roupa, seu cabelo, seus trejeitos, e o pior de tudo, aquele olhar de satisfação. Ele parecia estar desfrutando aquele momento, por acaso ele não sabia no que ele estava se metendo? O caminho que ele seguiria? Ele só poderia estar zombando de mim, fiquei enfurecido de ver alguém se divertindo daquele jeito ali, no meio de todas aqueles rostos cansados. Ele trazia aquele pequeno sorriso estampado, com olhos arregalados e atentos, de vez em quando ele até ousava dar risadinhas. Como alguém podia ter tanta vida no final da semana? Era tão injusto.

Uma semana se passara, e novamente era quinta feira, e assim como todas as outras quintas feiras daqueles tempos eu tinha em mãos o fim do dia, o cansaço, o trânsito e o calor. Firmemente eu mantia minha cara-não-sente-aqui quando então, chegando no quarto ponto da rota, novamente ele aparece. Não era possível, da última vez tive de saltar alguns quarteirões antes e caminhar pra casa. Não dava pra tocar o caminho todo próximo daquele ser reluzente. Minha estratégia tinha se voltado contra mim, afastando as pessoas acabei por deixar o lugar disponível para meu inimigo. Não tinha mais nada a se fazer, abaixei a cabeça decepcionado e praguejei em voz baixa enquanto ele se sentava ao meu lado. O ônibus seguiu um pouco, e então, ele esbarra com seu cotovelo em meu braço, segurei a raiva e fingia olhar a vista, mendigos, carros, asfalto, mendigos, carros, asfalto. Então ele esbarra novamente, percebi então que ele não estava esbarrando e sim me cutucando, impaciente e nervoso eu olho para ele que retribui o olhar com um sorriso estranho. Não podia ser? Além de tudo ele ia me paquerar? Pior não podia ficar, sem reação alguma não consegui escapar nem uma palavra, foi então que ele me apontou com os olhos a garota que estava atravessando a roleta. Mas que bela mini-saia, pernas douradas e curvas perfeitas. Quando olhei de volta para ele, estava sorrindo e balançando a cabeça positivamente, automaticamente escurreguei um sorriso amarelo de volta e me voltei para a janela. Mendigos, carros, asfalto, mendigos, carros, asfalto, mas eu não estava mais atento a isso, agora eu tinha na cabeça a imagem daquele par de coxas. Eu me sentia melhor. Passado certo tempo da viagem, ele me cutuca novamente, dessa vez já olho direto para a roleta, essa era mediana, um pouco de álcool e ela até se ajeitava. Olhei para ele que fazia uma cara de dúvida, respondi apenas com expressão facial, um talvez, aparentemente ele teve a mesma resposta pois respondeu com um leve balanço de cabeça inclinado. Me voltei para a janela. Quando cheguei no meu destino, já tínhamos avaliado algo em torno de sete mulheres.

Na próxima quinta feira ele estava de volta, novamente ao meu lado, e novamente jogamos. Avaliávamos cada mulher que passava por aquela roleta, nos comunicávamos precisamente apenas com expressões faciais. Boa, médio, ruim, maravilhosa. Éramos discretos, e pra se comunicar a gente usava o que dava, olho, sobrancelha, ombro, mão, boca. O jogo era mudo. E assim se procedeu, na outra semana, e na outra, e na outra. Era bom, logo ao fim da semana, quando eu estava mais cansado, eu tinha a ajuda do meu novo amigo, nosso lance despistava a situação negativa de voltar pra casa no ônibus amarelo e incrementava a rotina. O tempo passava mais rápido, o calor parecia menor e até mesmo no centro do centro, onde ocorria a grande desova e antigamente eu respirava aliviado, eu nem notava mais. As semanas passavam e aprimorávamos nossa técnica, os métodos de avaliação eram mais variados, o jogo se tornou mais prazeroso. A viagem se tornou rápida.

E foi assim, numa quinta feira qualquer, esperando meu amigo, com seu lugar reservado e animo alto pro jogo, que o onibus passou pelo quarto ponto e nada. Uma outra pessoa qualquer sentou em seu lugar. Fiquei chateado, mas pensei que pudesse ser um imprevisto qualquer, talvez ele estivesse doente, talvez ele não tenha tido aula, talvez isso, talvez aquilo. Mas independente de tudo, na outra semana, nada do meu amigo. No começo a esperança era grande, eu o imaginava entrando em outro ponto mais adiante, chegando na próxima semana, porém, eventualmente eu me cansei. Tentei jogar o jogo sozinho, mas não funcionava, era entediante e eu facilmente me dispersava. Em momentos de desespero cheguei a tentar com pessoas alheias que surgiam ao meu lado, mas não adiantava, elas nunca entendiam e sempre me olhavam torto no final das contas. Aos poucos me desprendi da ideia e voltei para o ritmo do tédio, cansaço, calor e sentir o tempo parar. Por muito tempo senti a falta do meu grande amigo do ônibus amarelo, minha amizade mais sincera e verdadeira. Sem nunca ter trocado uma palavra, nos entendíamos perfeitamente, funcionávamos em uma sincronia perfeita, nos divertindo da nossa maneira, sem buscar nos aprofundar em diálogos, desabafos e apoio. Apenas sentar ali e jogar o jogo era suficiente, apenas desfrutar a companhia um do outro. Cheguei a pensar se ele pensava em mim, fiquei com um pouco de rancor, mais isso é besteira, meu sentimento é só meu. Meu grande amigo do ônibus amarelo. E nem seu nome eu sabia.

Tema: Amarelo

Logo que me senti só nesse mundo me lembrei da frase que eu li nas legendas de letras miúdas de um filme que eu vi: "Não há nada a temer! Sou o rei do meu próprio reino, mesmo sendo ele tão pequeno! Eu sou um artista!" e tratei logo de construir uma casa.
Lembrei dos meus amigos, especialmente de um deles que vivia intrigado com o fato de eu ter construído uma casa na árvore quando eu tinha uns seis ou sete anos. Ri um pouco enquanto fazia um telhado de folhas de coqueiro e percebi que esses saberes são mesmo um reino. Enquanto eu pensava nos limites dos meus reinos as folhas foram secando na sombra e ficaram completamente amarelas. Depois disso se eu olhava pro teto ou pro por do sol sentia o mesmo: pensava em errar nos reinos fora dos meus domínios e em todas as frases de cartas de amor que eu nunca escrevi.
"Uma hora você vai perceber que eu sempre fui o grande amor da sua vida, e vai ver que já é tarde demais. E por isso vai deixar pra me ligar no outro dia bem cedo e começar todo o resto". E então eu olhei pro sol nascendo e percebi que o amarelo é sempre o mesmo.

domingo, 26 de setembro de 2010

Tema: Amarelo

- Cerveja, é claro! – pediu.
Os dois desataram uma conversa riquíssima sobre valores, saudades e futebol. Era muito cedo.
- Caro amigo, eu creio mesmo que por tão pouco nos vermos, nossa conversa é como carta que, de tão atrasada, chega envelhecida com aquela cor do tempo. A sensação, obviamente, é angustiante...
- Meu querido quase-irmão... Sinto saudades. Peguei recentemente aquele ônibus que pegávamos juntos para ir ao Horto, naquele bar que o Moreira descobriu e disse ser o melhor da cidade... lembra? Pois eu me lembro e me emociono quando, nas finais do Mineiro, posso colocar aquela camisa que usei naquela final do Brasileirão...
-... ando pegando muitos ônibus diferentes, vendo muita gente sem graça; tenho falado muito por falar, levado muito na cara. A preguiça se apoderou de mim. Tenho vivido muito no sofá, tenho vivido muito mais de boa tarde do que de bom dia e, definitivamente já não sei o que é boa noite. Apartamento é terrível, meu irmão. É uma fôrma dessas em que a gente põe água e espera virar gelo. Não fosse o calor que me deixa meio febril, meio hepático, talvez eu tivesse mesmo virado gelo...
-... tentei procurar companhia, busquei aqueles velhos problemas. Acho que não te contei, mas revi Carolina recentemente. Foi estranho que após tanto tempo ela me procurasse. Ela ainda continua loira, farta, voluptuosa e senti meu estômago se revirando naquelas duas horas em que fiquei esperando ela chegar ao bar. Conversamos por algumas horas, driblando as interrupções vindas do resto da mesa e ela se mostrou interessada em mim, encantada como nunca antes, proferindo elogios e (maldição) enaltecendo minha inteligência. Sabes como eu sou fraco no ego, não? Dei pra esbanjar. Ela elogiou minha sensibilidade. Incrementei o assunto com perguntas. E eis que ela vem me contar de um trabalho final de sua faculdade. Em suas explanações, a filha da mãe me solta um “no meu trabalho, eu vou seguir três vertigens”... Eu duvidei. Continuei o assunto, ela queria dizer "vertentes", tenho certeza... mas repetiu o erro. "Olha, que legal, é bom trabalhar essa vertigem também", ela disse quando eu dei um pitaco que condensava e explicitava essa minha sensibilidade e intelectualidade. Fiquei olhando para aquela boca, pensando com dentes cerrados... "vertigens"... "vertigens"... tentei imagina-la me chupando, calada, ou simplesmente sorrindo. Fiquei triste - já não gosto mais das bocas só por imaginá-las me chupando. É horrível quando você cria esse tipo de exigência: bocas com conteúdo o suficiente para que não exista esse ímpeto de preenchê-las com sabe-se-bem-o-que...
-... consegui muita coisa na vida, cara. Salário, apartamento, namorada, ex-namorada, garrafa de whisky, livro de auto-ajuda. Tudo o que um homem feito precisa. Sempre existem coisas a serem lembradas e você está aí para não me deixar mentir. Tenho muitas lembranças em sépia em processo de desbotamento. Falo muito com as mesmas pessoas, mas parece que falo sempre as mesmas coisas, de uma maneira tão cíclica e viciada, tão rasa...
-... eu já desconfiei mesmo, como costumávamos desconfiar em nossas tardes ociosas de casa vazia, que tudo isso é mesmo enganação ou criação minha. Os códigos que usamos para pedir o leite, para comprar o pão são tão desestimulantes. Eu sinto falta de mudar a ordem das coisas, de pichar o muro, de beijar um homem...
-... sinto falta de me especializar em trivialidades. Tentei ser enólogo, mas é profissional demais. Resolvi provar cachaça – quanto mais amarela, mais velha, mais curtida, mais amarga, melhor. Irônico, não?
-... no entanto, estou bem. Duas vezes por semana vem uma faxineira. Ela é crente...
-... meu maior inimigo é o tédio...
-... o trânsito anda caótico por aqui. Não consigo chegar em casa antes das seis...
-... a vida já bateu, mas hoje não bate mais tão forte assim...
-... meu calo me fez perder a sensibilidade no pé...
-... no coração...
-... portanto...
-... não me estendo mais...
-... o tempo urge...
-... o tempo passou, né?...
-... tomara que nos encontremos...
-... Com carinho...
-... atenciosamente...
-Garçom, a conta – já era tarde, não havia luz suficiente para as cartas. Era melhor ir embora cuidar da febre.

sábado, 25 de setembro de 2010

Tema: Amarelo

Sobre o ornato oval de um capitel

Hoje foi o dia que o mais alto grau de percepção humana tocou-me a porta, assim, logo de manhã, antes mesmo da possibilidade de eu abrir os meus olhos, uma luz amarela veio, em uma intensidade inexplicável, e o fez. Ergui-me primeiramente leve, segundamente ansioso, e em um movimento quase simultâneo eu me levantei da cama e olhei para o criado-mudo ao lado. Havia nele um isqueiro, um acendedor de cigarros, um causador de incêndios, um queimador de fiapos indesejados que a vida nos oferece, um criador de iluminação para Neandertais, era arte, era tudo isso em um objeto branco, visualmente simples e inocentemente tolo. Mas, por incrível que pareça, a única função que aquela tolice tem para mim é a de tirar a tenuidade do meu caminho. Quando eu o pego e o executo vem junto disso um desabafo descomunal, excessivo, que deveria me perseguir diariamente, isto é, se eu fosse o grande senhor das minhas fatalidades, e forças que predispõem os acontecimentos que me permeiam. “Não! Você não é! Não tem o controle!”

Uma incerteza, como aquelas faixas amarelas estampadas no asfalto da avenida larga onde sua avó rica comprou um novo apartamento com o dinheiro da aposentadoria que o presidente solene proporcionou a ela. Farta aposentadoria, outra tolice. Se fosse farta de fato a velha pagaria um bom dentista para tirar o amarelo dos dentes que acabam apresentando ao mundo um sorriso antipático que faz dela uma velha ranzinza. Desde os meus doze anos vejo aquela porta entreaberta e vou entrando acreditando que posso confiar na dúvida do desconhecido. Estupidez infantil. A incapacitada vem logo dizendo para eu tirar os meus sapatos, que não quer ver, sequer, uma mancha amarela no piso branquinho que a empregada (que mais parece uma governanta parisiense) acabou de limpar.

Quando eu atingi uma idade mais perigosa, peguei o meu isqueiro e, achando que estava fazendo um favor e contribuindo para a felicidade das pessoas que me rodeavam, incendiei o prédio onde a mãe da minha mãe morava. Logo, em questão de poucos minutos uma chama leve e amarela, se tornou monstruosa e amarela, meus olhos seguiram o tom do amarelo que tinha se alojado em torno da moradia de mais de quarenta pais de família devidamente empregados e supostamente felizes. Foi um desabafo, como eu já disse.

Dizer a respeito de qualquer coisa requer uma capacidade mínima de formalizar algo em uma linearidade que possa ser compartilhada. O amarelo não é assim; nem sempre precisa ser linear para dizer aos outros que a vida pode estar em perigo ou em êxtase, dependendo do lugar em que você está quando o sol se põe. Você se dispõe a tamanha fantasia que a luz do dia, simplesmente, não consegue atingir, e a frustração vem logo cedo acompanhada de um copinho de isopor com uma porção decadente de café com leite. Sua avó é quem fez? Eles te perguntam em um tom de desacato e vomitam a falácia que, por questões sociais, deve ser contemplada. Não te deixam acreditar em nada. E outra fábula que faz parte do discurso deles é: Você precisa matar a sua avó - do ponto de vista psicológico -, aniquilar a velha. E você, taciturno, vai até o canto do quarto e adormece.

A característica mais instável minha, sua e talvez deles é o talento de, em algum ponto extremo da corrida humana, conseguir o equilíbrio entre o vermelho, o azul, o amarelo e o rosa; e, assim, colorir o fim da tarde com um profundo suspiro de quem quer acordar outra vez com o maior grau de percepção que um compassivo pode ter.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Tema da Semana: Amarelo

Tema: Discos Voadores

Enquanto eu olhava pro mar e via as dezenas de pedras que faziam as ondas selvagens se transformares em uma espuma suculenta, eu pensava em coisas estranhas. Sempre pensei em como seria bonito ver uma baleia azul no espaço, vagando sem gravidade, "and I'm floating in the most peculiar way". Mas nenhum pensamento estranho se comparou com os que eu tive quando avistei uma pessoa em um barco, algumas centenas de metros depois das pedras.
Não sei a localização da praia mas sei que por uns tempos fiquei observando pra me certificar: não era rota de barco nenhum. O máximo que eu via era a rota de alguns aviões que eu cheguei até a desenhar mais tarde. Via os aviões no principio e torcia pra que algum voasse baixo e eu pudesse acenar, ver alguém, sair daquilo tudo. Mas o tempo foi passando e eu percebendo que a vida seguia e que as coisas timidamente melhoravam. Desde que naufraguei naquela ilha não passei sequer um dia em silêncio: tentava lembrar as letras das canções que mais gostava, e lá pela segunda semana lembrei de Etta James e de sua "I'd rather be blind" e já comecei a perceber como meu inglês melhorava, porque agora era pra mim e só pra mim, e eu entendia tudo o que queria dizer.
Quando eu vi o jangadeiro solitário, perguntas como "será que ele vem de um barco maior?" ou "será que mora por aqui e costuma chegar até essa praia?" ocuparam minha cabeça e não me deixaram perceber que eu acenava e gritava como um louco. Tenho a impressão de que ele me viu, mas nunca saberei porque quando cogitei a possibilidade, uma espécie de ato reflexo já me fez pular na areia, num nível onde as pedras e a espuma das ondas já faziam toda aquela agitação parecer miragem a qualquer homem do mar. Naquele instante percebi o que estava acontecendo e que já fazia um bom tempo que eu já me fazia acreditar que aquelas luzes brilhantes em movimento no céu eram discos voadores e cantarolava sorrindo, "and the stars look very different today".

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Tema: Discos Voadores

Passei anos de minha vida tentando meditar e foi só neste ou naquele dia (se o tempo realmente for relativo) que cheguei mais próximo de tal façanha.
Tendo acordado de um cochilo que durou a tarde inteira, pensei em abrir a janela e saciar aquela curiosidade em saber que cor o céu teria exatamente às seis horas da tarde num dia quente de inverno, como este ou aquele de nossos tempos. Meu corpo não queria fazer grandes esforços e, com um mínimo de movimento possível, empurrei a janela ao lado da cama.
Era um anil fosco, quase roxo, quem sabe ainda, outra cor que só existe em outra língua. Pus os olhos fixos na casa ao lado, cujo nome é varanda - por metonímia.
Era tanto pássaro, tanto, tanto, que meu ouvido se confundiu – e esse momento foi a delícia de só ser. Abarquei outros sons, e caí novamente da corda bamba do não-pensar. Mas que se foda. E eu pensei sobre meus próprios pensamentos, tal qual metalinguagem, enquanto, em paralelo, me admirava o fato de ainda haver sons de crianças pela rua.
Às vezes acho que sou o cara mais novo do mundo. E isso quer dizer que eu tenho medo demais. Medo - medo mesmo - é aquele sinal de que falta algo e que, no final das contas, você pode estar desamparado ou morto. O medo é feito de, pelo menos, duas partes, apoiadas pela idéia de possibilidade. O medo é um triangulo invertido que começa na realidade e termina na imaginação.
Disse alguém lá do outro lado das águas, que navegar era preciso. Disse isso, mas o fez já algum tempo depois das Navegações e um tempo antes de irmos ao espaço. Sei que é tolice dizer que houve qualquer Pessoa sem medo, mas acho que o autor dessa frase só pôde ter dito algo tão perigoso assim, por ter estado num momento em que tudo era centrado demais – não havia mais nada além dos mares e algo além da Terra era muita pretensão.
Além da terra é pretensão demais.
Além da humanidade é pretensão demais. Penso que é preciso voltarmo-nos aos seres humanos para voltarmos a ser humanos – falo isso olhando pros céus, imaginando coisas sobre uma luz mais forte, que é Vênus; e eu sigo cismado com os signos de touro ao meu redor, com as pernas que passam e eu não posso tocar, com esse impulso carnal que é a arte aqui na boca do estômago, com a astrologia, que, diz-se por aí, vem dos céus também. E se não for Vênus e nem verdade?
É aí que surge o medo.
Chega um outro som aos meus ouvidos, desfazem-se o medo do medo e a inquietação borbulhante aqui dentro. Por ora.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Tema: Discos Voadores

Dádiva da mãe Amália

- Pep, olha o que mama comprou para voi!

- Que mama?

- Este é um dispositivo substancioso que armazena canções.

Josep, desapontado com suas bolachas, resolveu se afeiçoar. Foi até o móvel no vão da parede, agachou empinando a bunda para a vida, e arremessou todos os seus discos, um a um.

domingo, 5 de setembro de 2010

Tema: Discos Voadores

Noite, falta de sono, madeira.

Pense em branco. Pense em um espaço branco. Adicione paredes, chão e teto. Cubra as paredes de rachaduras e pó, o chão de tábuas corridas também poeirentas. O teto coberto por telhas, é afastado do fim da parede tornando assim todos os cómodos uma única sala grande separada por divisórias de concreto. Volte sua atenção ao quarto maior, cubra-o de móveis antigos, de madeira pesada e resistente, feito para durar séculos. Os dois sofás velhos encostados na parede, o chão repleto de colchões separados por certa distância uns dos outros. Em um destes ele rola inquieto. Sua boca esta seca e sua cabeça dói, quando acordou, um pouco atordoado, demorou para se dar conta de onde estava. Ao abrir os olhos primeiro viu uma luz branca, rapidamente a vista escureceu e notou manchas que aos poucos se tornaram paredes, chão, teto, rachaduras, tábuas corridas, pó e telhas. O silêncio era composto de sons de insetos, respirações anestesiadas, o vento forte que batia na porta de madeira pesada e resistente feita para durar séculos, e por fim sua dor de cabeça. Seu corpo está coberto de suor, ele está perdendo pelo corpo toda a água que sente falta nos lábios rachados. Está cansado de rolar na cama e de tentar diversas posições para voltar ao sono na esperança de acordar por vez de manhã quando se sentirá melhor. Ele se levanta. Na cozinha escurecida, ele se desloca com dificuldade entre as latas e garrafas vazias espalhadas pelos cantos e centro, tromba em uma cadeira que descansa em um lugar aleatório, não se machuca. Toma um copo de água do galão de vinte litros quente que está na metade. Sua dor de cabeça não melhora e ainda sente sede. Toma outro copo de água. Derrama um pouco de água no chão, mesmo na metade os galões de vinte litros tornam a tarefa de se encher um copo de água muito complexa, estar semi-alcoolizado, com sono e dificuldade de enxergar no escuro não o ajuda. Ele se senta, enterra as mãos no rosto. Está cansado e sente falta de sua cama. O vento fora da casa é forte e intimidador. Exita por um instante, porém decide tomar um ar esperando assim aliviar as dores no corpo e o pensamento. Do lado de fora a paisagem é composta por manchas escuras, sendo possível identificar os objetos apenas por sua forma. Mato, cerca, árvore. Pense em um céu claro, onde se vê sem dificuldade constelações, planetas e uma enorme lua. Quando sua vista acostuma ele nota, que as manchas estão cobertas por uma luz prateada, os objetos estão mais nítidos, quase brilhantes. Mato, cerca, árvore. Olhando para o céu ele é tomado por sentimentos nostálgicos e lembra da sua infância, da sensibilidade que perdeu. Na cidade as pessoas são privadas do céu e dos agrados da natureza. Sem razão, nem rumo, ele começa a caminhar. O vento lhe dá uma boa sensação de frescor. Nota um som estranho, que gradualmente aumenta, é como o barulho do canto das cigarras ampliado centenas de vezes. O vento se torna mais forte e muda de direção. Adrenalina, medo, tensão. Seu corpo se torna novamente coberto por suor, se continuar assim seus lábios novamente irão rachar e sua cabeça voltará a doer. Confuso e assustado ele olha para os lados e não consegue encontrar a casa. A paisagem está ainda mais clara. Ele sente uma força agindo sobre seu corpo, feito estar em uma piscina que está sendo esvaziada. Olha então para cima. Pense em branco.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Tema da semana: Discos Voadores

Tema: Massinha

Já faziam quatro semanas que eu não conversava com ninguém e naquele momento aquilo parecia algo muito bom. Poucas roupas e pertences e quase tudo molhado e sujo, naquela bagunça pós-tempestade e eu só conseguia me lembrar dos meus discos e de como devia ser naufragar no espaço como o Major Tom da musica do David Bowie.
Nunca tive muita coisa, mas sempre o que tive foi precioso. Agora pra mim eu organizava num canto as minhas coisas e numa marmita de metal eu guardava coisas pra memória: um pacote inteiro de massinha de modelar que eu usava pra fazer bonequinhos - todos verdes, a unica cor que eu tinha - das pessoas importantes pra mim: a Yoko, minha cachorrinha, meus pais, meu irmão, Gabriel Garcia Marquez e mais uma meia dúzia de pessoas que ainda estavam comigo sempre.
Das nove semanas que eu passei naquela praia estranha e deserta, a ultima foi a que eu mais pensei. Armazenei umas frutas debaixo da árvore, um pouco de água, assentei e pensei. Pensei muito. Pensei em como deve ser viver na pele de um cachorro, sobre como boa parte da vida é desnecessária, como as coisas não fazem muito sentido e que a gente só fica em paz quando aceita isso, e como Tom Jobim errou na letra de "Wave": é plenamente possível ser feliz sozinho.Pessoas de massinha são seres humanos perfeitos ainda que tortos e mal feitos, inclusive, porque os de verdade são assim também.
Pensei tanto que esqueci de pensar em o que que seria da minha vida: foram os primeiros dias que eu não pensei nisso, e justo quando eu aceitei a condição de náufrago e já funcionava como um eremita perfeito, veio uma tempestade denovo e eu fui engolido sorrateiramente pelo mar e acordei na enfermaria de um clube à beira mar de uma praia de Santa Catarina.
Desde então, quando dá eu viajo pro litoral e perambulo de praia em praia atrás das minhas pessoas de massinha e da saudade que eu tenho de mim.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tema: Massinha

(...)

13 de outubro

A vida é mesmo uma filha ingrata e mimada.
Um travesti me disse certa vez que a vida é uma doença sexualmente transmissível, crônica e mortal. Não o acho sábio, nem sequer engraçado ou original por essa frase. Mas essas palavras vivem se divertindo na minha cabeça, como uma piada sem graça que ficamos tentados a contar quando nos deparamos com pessoas sem graça. É incrível a quantidade de pessoas sem graça no mundo. Droga, essa piada me persegue.

Nesse meu ofício sujo, poucas vezes existe o luxo de certos sentimentos. Mas, dessa vez...
Pobre homem. Apesar do costume com cadáveres, vez ou outra, sinto alguma empatia por um. É o caso, estou comovido.
Ele morreu sorrindo. Tentou fazer um acordo, mas foi enganado. Pobre homem. Não se faz acordos assim em dias como os atuais. Não com esse bando de loucos à solta. Ele sorriu aliviado antes de ter sua barrigada completamente perfurada. Quanta confiança...

Como não podia deixar de ser, a noite é quente e eu me sinto um pouco exposto nessa camisa de mangas. Acho que são essas moscas. Malditas, a carne mal esfriou e elas já estão em cima.
Tenho de levar o corpo agora - a Agência exige. Mas tenho pena. Sei de sua história, investiguei tudo. Bom homem. Bom marido. O melhor empregado da editora. Bem relacionado. Muitos amigos. Estava sempre sorrindo. Passava confiança. Tinha postura, ajudava os amigos, a mãe e a esposa. Jamais incomodava a ninguém.

Esse é o problema das pessoas boas. Elas, normalmente, não ocupam espaço. Tornam-se moleiras, pedaços manipuláveis e de solidez pouco confiável. Cabem no molde da perfeição. Cabem em qualquer molde.

E se deformam.
Pobre homem. O mais doloroso é que todos morrem – mas, no caso das pessoas boas, parece injustiça. Não, a morte é a coisa mais justa do mundo – é o único ponto que iguala todos os homens.
-Pra morrer, basta estar vivo.
Eu só acelerei o processo. E matei um homem bom, igualando-o a todos esses vermes que enterrei durante esses anos.
Sinto enjôo. Deve ser fome. Esse cadáver vale o mês. Essa é minha vida – uma filha ingrata e mimada.
A piada não me sai da cabeça.

Tema: Massinha

Minha Massinha

Que saudade da minha massinha. Saudade de gastar meus dias ao seu lado, do cheiro do seu cabelo, do seu sorriso. Me lembro bem de acordar e olhar seu rostinho dormindo tranquilamente, do denso filete transparente de saliva que escorria de sua boca direto em meu colchão. Saudade da sua carne molenga, e de quando eu apertava os braços e as enormes coxas e falava baixinho no seu ouvido "minha massinha, minha massinha". Eu podia passar todos os meus dias só apertando minha massinha. Gostava da sua risada suína e da bagunça que fazia ao se empanturrar. Do gracioso chacoalhar de suas partes mais fartas. De repente ela começou a emagrecer, foi bem aos poucos, eu quase não notava. Quando ela começou a praticar esportes eu não dei muita atenção, falava que ia ficar magra, que ia ficar gostosa, eu achava que ela não tinha energia pra isso. Que em uma semana depois ela estaria sentada no sofá vendo novela e comendo pipoca com manteiga. Ah que saudade de vê-la lambendo aqueles dedinhos graúdos ensebados de manteiga. Eu até tentei cozinhar pra ela, mas não adiantou, ela foi emagrecendo e emagrecendo, começou a tomar banho todos os dias, passar cotonete nas orelhas, foi no dentista e de repente até um emprego ela arrumou. E não tardou a ser promovida. Andava muito feliz aqueles dias, achava que nunca tinha sido tão bonita. Apesar de tudo ela ainda me amava muito, sempre arrumava um tempinho para me agradar, o problema é que quando eu apertava aqueles braços duros e aquela barriga reta, eu não sentia nada, não sentia o calor. Seu hálito era de hortelã, e isso era insuportável, quando me abraçava eu sentia o perfume de condicionador e sabonete, me sentia enojado, sua face coberta por uma grossa camada de artifícios, seu cabelo bem penteado e seu salto alto. Minha massinha já não era mais humana, era agora uma boneca. Uma boneca grande e risonha, e não aquele riso agudo e estonteante de antes, até isso ela dizia ter endireitado. Tive de larga-la, não aguentava mais viver com ela, o término foi rápido e seco, não dei explicações, aquela não merecia explicações, nem sentimentos, ela não era mais minha massinha. Que saudade da minha massinha.

domingo, 22 de agosto de 2010

Tema: Massinha

Ouça

Não dê ouvidos àquele menino,
Franzino,
Que te emprestou o livro de Fernando
Sabino.
Temática pitoresca!
Coisa Besta!

Não dê ouvidos ao teu amigo,
Que te deu abrigo,
Falou contigo,
Sobre as coisas boas da vida.
Sobre o quão etéreo é o magistério,
E como um buraco tem fim.

Não dê ouvidos ao seu professor,
Arrebatador,
Que formou a sua mente.
Que te transformou em um excludente.
Que te fez um jornalista que peita presidente.
Faz sentido?

Não dê ouvidos ao sistema,
Àquele que só te traz problema.
Que te causa edemas.
Que faz do seu dia um piscar de olhos sem sorrisos.
Sem amigos.
Internaliza em você uma noção porca de prazer.

Não dê ouvidos à tua mãe,
Àquela que te gerou,
E te insultou, quando necessário.
E te chamou de otário.
Você é só uma extensão de um não que ela recebeu.
Você é o motivo de gorjeta.

Não dê ouvidos aos teus sonhos.
Londres não passa de uma fantasia.
Vá além da pedagogia.
Aprenda com a poesia,
Escute a vigésima quinta hora do teu dia.
E te engrace com o potencial da utopia.

Não dê ouvidos ao amor.
Ele só te envergonha diante dos mais machistas.
É uma pedra no seu rim.
É um fiasco do deleite e da sensação,
Uma podridão.
Salgada ilusão.

Não dê ouvidos aos teus ouvidos.
Eles são apenas uma pequena partícula de um recorte auditivo do todo que constitui o universo.
Uma vaidade intrínseca,
Que te faz delirar.
No silencio do jantar,
Ou no calar das ondas do mar.

Não dê ouvidos aos maus pensamentos.
Eles são passageiros,
E se perdem no tempo.
Adulam uma parte da população que não admite incremento.
Um tormento.
Vire à direita e siga o momento.

Não dê ouvidos à massa.
Ela tem o poder de transformar a sua mente em massinha,
De te reduzir a insignificância.
De tirar de uma criança a poesia da infância.
De não dar a um homem uma sombra de esperança.
De fazer um velho pigarrear até a morte chegar.

E, sobretudo, não dê ouvidos ao Pedro.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Tema da semana: Massinha

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Tema: Lady Gaga

Romance Ruim
(À Fausto Silva, Mao Tse-Tung e Andy Warhol)

Essa história toda começou num daqueles dias improváveis, sabe? Pensa num dia improvável, sei lá... uma terça-feira. Acho que foi isso mesmo e só me faltava assobiar a música que tocava no rádio – música grudenta, um apelo meio minimalista usado pra fins comerciais, me lembrava um pouco as músicas da década passada nos clubs.
E bem no esquema historinha, eu assobiava, quando dois homens me seguraram pelo antebraço, quase me carregando. Contestei, claro, sem muito escândalo com medo de ser um assalto. Eles me ordenaram silêncio, falaram para eu confiar neles.
É um tanto quanto ridículo isso. A última coisa que eu faria se eu fosse um conspirador maluco que quer recrutar pessoas em segredo e inopinadamente, seria falar para elas algo como um “confie em mim”. Confiar é o caralho. Ora, vamos ao mundo real, não? Se dois homens te seguram pelo braço, muito claramente intencionando alguma coação qualquer; qual é! Eu confio no diabo que não é humano, mas em vocês não, camaradas... vocês não.
-Entra no carro.
-Pra onde? O que tá acontecen...
-Confie em nós.
Bem dita a era da informática que reestruturou a comunicação escrita. Nos e-mails, bate-papos em geral, existem aqueles tais emoticons. E eles atendem muito perfeitamente a algumas situações como essa. Na hora que a figura me veio de novo com essa de “confiar” enquanto eu entrava no carro, eu reagi com um olhar que só um emoticon consegue exprimir graficamente. É algo como um: ¬¬
Meus braços doíam no carro apertado. Imagino que você, leitor, tenha uma cena de dois brutamontes vestidos de preto e óculos escuros me rodeando. O espírito é esse mesmo. Mas não eram assim, eram seres humanos muito normais - um deles não me era nem estranho, e ambos poderiam andar na rua sem a menor suspeita. Não eram fortes, talvez até mais franzinos que eu. Mas eram dois, e por maior que eu fosse, é como diz o ditado...
-Boa tarde, sr .:
- Como diabos você sabe meu nome? – me desesperei com a certeza de um seqüestro relâmpago.
Mas descobri que não era. O rapaz que eu, de alguma forma, identifiquei como um distante conhecido era um sujeito que me puxou de conversa no ponto de ônibus numa outra terça-feira, porque eu estava lendo um simples e maldito livro de poesias. E ele “que livro é esse?” e eu “Manuel Bandeira, conhece?” “sim... é... hum...você escreve?” eu “sim, já até tentei publicar uns livros de artigos acadêmicos” “olha, eu sou professor de literatura, escrevo também”... Lembro que fora uma conversa legal, produtiva, que até me fizera perder um ônibus. No final, nos apresentamos, deixei meu cartão e a partir daí, pelo que soube no carro, eu fui muito bem rastreado usando aquelas informações. Até aquele momento infeliz.
- A idéia é a seguinte sr.:, nós somos um grupo. Um grupo de escritores, como você. Na verdade nós somos todos os escritores do mundo...
-Nós? O motorista também?
- O motorista também.
-ah... e só?
- Faça-me o favor, sim? – ele usou aquele mesmo rosto do emoticon – Sr.:, nós somos um grupo enorme que se organizou em prol de um bem maior: a inteligência humana desperdiçada na falta de valor às obras primas. Os excessos da internet, o mau uso e desuso das obras que são de nosso direito, o capitalismo editorial, a pirataria – tudo aquilo que desvaloriza a nossa arte...
-Espera aí, como se já não bastasse toda a crise que está acontecendo, vocês ainda estão botando lenha na fogueira e dificultando as coisas com discussão e ...não é discussão?!?... você está querendo me dizer o que? Foram vocês?!?!
Caros leitores, eu bem gostaria de supor o conhecimento prévio de vocês acerca de a que crise eu me refiro. Porém, tendo em vista a excessiva atualidade da coisa, temo que, aos olhos da historiografia, da sociologia, ou melhor, da memória social, o fato citado, se perca algum dia por motivo de força maior. Portanto, esclareço.
Em idos da transição das primeiras décadas do século, houve um momento de crise no setor editorial – não falo da questão da pirataria ou dos direitos autorais, mas algo mais palpável, quase terrorista – empresas relacionadas a esse mercado faliram, devido a ações criminosas como vandalismos, hackeamento, roubos – tudo isso em instituições como as que fabricavam materiais como tinta para cartuchos de impressoras, ou as próprias gráficas, algumas livrarias, lojas de informática... Por conta disso, houve problemas em publicações, a mídia periódica entrou em crise de recursos e, por algumas semanas não houve nenhuma impressão de livro, e mais: sumiram-se as novidades. Ninguém publicava mais nada.
E tudo se explicava ali, naquele momento da descoberta em que atravessávamos a grossa porta de um galpão para uma escada enorme que dava num subsolo, no qual fora construída uma sala de proporções que, se eu fosse descrever, precisaria comparar e aí pareceria mentira. Era verdade: todos os escritores do mundo estavam ali; muitos foram seqüestrados, outros coagidos, mas muitos simplesmente integravam aquela organização diabólica.
- Pedro, por favor, com licença – nós passávamos por um grupo de quatro rapazes e uma moça logo na entrada – crianças, esse é o Sr.:... agora, Matheus, contacte o pessoal. Podemos começar a assembléia essa noite: o ultimo escritor chegou.
Essa assembléia (e eu não sei por que decidiram esse nome, já que estava mais para um comunicado sobre um determinado plano de ação) tinha como pauta uma das últimas e principais ações do grupo.
Pois bem, além do ataque a editoração e os boicotes a literatura vendável, o grupo resolveu reagir através de alguns ataques àquelas formas de expressão que eram consideradas inimigas das Belas Letras.
-... e então, na última semana, boicotamos também a industria cinematográfica. Claro que foi muito mais difícil e obtivemos muito menos êxito. Mas a proposta, a princípio é o susto. O que queremos é destroçar toda a mitologia que essa praga de século nos impôs. Nesse exato momento, em Nova Jersey, bombeiros estão limpando a cinza de mais de 3.907.000.000 exemplares de diversas revistas em quadrinhos queimadas numa ação conjunta. A indústria fonográfica, por si só, já está em crise, portanto não nos ocupamos com ela exatamente: mas com a iconologia que ela criou. Queremos acabar com essa mitificação da imagem de pessoas que se passam por artistas, através da música.
Essa mesma última frase fora repetida posteriormente por um escritor famoso no momento da introdução da assembléia. Antes, quando o rapaz do ponto de ônibus ainda me explicava as ações do grupo, eu perguntei sobre como eles se organizaram.
- Bem, a gênese dessa iniciativa é um mistério – mas através de cartas, parece que a maioria ficou sabendo. Alguns ignoraram, outros foram descobertos, como você. O processo foi longo. Juntamo-nos e os problemas estruturais foram resolvidos com o “tempo”- ele fez o gesto para essas aspas, seguido daquele roçar de dedos que simboliza dinheiro - afinal, a mulher mais rica do mundo é aquela escritora infanto-juvenil, certo?
- Não é a Oprah? – perguntei.
-Não!- me respondeu meio bravo um daqueles rapazes, cujo nome era, ou Túlio ou Luiz...
Pois bem, adiantemos para assembléia, aonde todo mundo (do mundo todo), com um fone de ouvido para tradução, escutava aquela frase repetida a que eu me referi.
- Queremos acabar com essa mitificação da imagem de pessoas que se passam por artistas, através da musica. – era o tal escritor famoso cujo nome não cito, por ordem ética – A música só é exemplo, pois, atualmente, ela se envolve nesse hibridismo entre essas artes visuais; hibridismo que tem empobrecido, e muito, a cultura de massa, mastigando as coisas e as entregando vomitadas. Após anos tentando nos enfiar nesse meio, mudá-lo, tomar parte, ter cadeira cativa no que hoje se chama de cultura (mas que não passa de uma imposição hegemônica, devo ressaltar); percebemos que a literatura perdeu vez. O que nos resta é uma atitude extrema: atacaremos uma dessas imagens, para chamarmos a atenção para nós.
(ovações)
- Por muito tempo procuramos ícones dessa “cultura pop” – ele também fez aquelas aspas irritantes com os dedos - e inclusive, recentemente, perdemos um daqueles que era o nosso melhor bode expiatório, justamente por termos exagerado na dose...
A moça que estava do meu lado, menina, pra ressaltar sua aparência jovem, chamava-se, pra não me enganar muito, Catarina, ou algo assim bem brando. Perguntei-a se ele estava falando de quem eu estava pensando.
- Aquele cantor? É... – eu cochichava – o tal do Mich... – fiz gestos que questionavam se também tinha a ver com o que ocorrera ao tal homem.
Ela, mais atenta ao discurso, só acenou com a cabeça o sim.
“Monstros”, pensei.
-E agora, temos a nossa intenção. Chantagear a cultura, com aquilo que está em seu auge, com um sacrifício mais saudável. Seqüestraremos aquela que representa um excesso de cultura pop, um excesso de tudo aquilo que nos abomina. A chamada Lady Gaga!
Fiquei um tanto perplexo. Palmas muito enérgicas, mas ainda assim, educadas, encheram o local. Percebi que percebiam meu assombro.
“Em Tróia, como os troianos”, pensei e comecei a bater palmas.

(continua...)

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Tema: Lady Gaga

Eu fico puto! disse ele puxando a cadeira, e ela na frente com cara de que não tinha muito ânimo de ir sempre naquele bar do outro lado da rua da faculdade já arqueava as sobrancelhas, com cara de "não importa o que você disser".
"A vida é assim meu bem, além do que ela funciona muito bem pra o que ela se propõe... é tipo um Marylin Manson tocando musica pra adolescente: com aqueles "metal" de começo de carreira ele nunca ia alcançar o mundo de gente que ele, pop, alcança..."
Já no terceiro copo ele fazia cara de entendido pra dar mais valor ao argumento, mas já percebia que pelo arquear das sobrancelhas da garota em sua frente - de copo cheio, o primeiro, já quente - não era só aquela discussão que não chegaria a lugar nenhum: "Mas é um clássico! Alladin Sane é um clássico! Ela não tinha direito sabe?"
"Você tá falando dessa coisa de clássico e não sei mais o que já tem horas!"
"Mas é um classico! E dos fodas!"
"Que seja! Cansa, sabia? Além do que, quando o Seu Jorge fez a trilha do "Life Aquatic", com aquelas versões bizarrícimas, você achou o máximo!"
"Pô, mas era Wes Anderson! Mereceu orabolas!"
"Seu problema é que você é cultzinho demais pra conviver com as coisas sabia!?! Inclusive, quer saber? Eu vou embora daqui porque eu já sinto muito que você é cultizinho demais pra conviver comigo! Vou indo antes que eu canse e vá pra não voltar!"
"Pois vá! E se quiser não volte!"
"O que? Perai! Tá me zuando né?"
"Não, eu também já tô de saco cheio..."
"Deixa eu ver se eu entendi... você tá falando sério sobre isso mesmo? E a discussão começou porque eu disse que achava legal a porcaria de um raio pintado na cara da Lady Gaga? Na boa!"
"O raio é do David Bowie."

Tema: Lady Gaga

Bad Romance

Já havia alguns meses que ele não se envolvia com nenhuma mulher e durante uma estressante rotina de trabalho seu corpo sentiu falta do calor feminino. Inexperiente na prática da "caça" Rubens se viu perdido. Pensou em recorrer a garotas de programa, mas sempre imaginava essas mulheres como seres cobertos de doenças venéreas, o que o fez mudar de ideia.

(telefone) Alô. - Sabe é que eu to precisando de mulher cara. - Quem é? - Sou eu o Rubens. - Ah Rubens! Quanto tempo cara. Mas, comé que é, mulher? - É se sabe, pega mulher, baile, essas coisas. - hahaha grande Rubens, baile, essas coisas, deu pra pega mulher agora? - Pois é, é que eu ando meio estressado. - Não, não, explica não, beleza cara, hoje a noite mesmo te levo numa baladinha.

Rubens está em pé ao lado da pista de dança e perto do bar. Parado sem saber o que fazer, ele observa as pessoas e o lugar. Ouve a música. Tudo é muito estranho, as pessoas aparentam estar mais felizes do que nos lugares em que frequenta. Sempre que anda na rua se pergunta porque as pessoas parecem tão tristes no seu dia a dia. Agora ele parece entender onde a felicidade foi parar.

(semi-berros) E aí se não ta curtindo? - To, to sim. - Ah, mais sua cara não diz o mesmo. - Como é que é? - Sua cara. Parece que se não ta gostando! - Ah! Então, só to achando um pouco estranho, mas, ta legal, é ta legal sim. - VamoRubão, vai tomando umas, se vai ver, daqui a pouco se ta soltinho la na pista pegando várias gatinhas!

Ainda em pé ao lado da pista de dança, Rubens agora bebe. A partir do seu terceiro drink ele começou a se sentir diferente. Seus pés começaram a se mover no ritmo da música, seus ombros ficaram soltos, e sua feição se tornou amigável. Não se sente mais tão deslocado, ele faz parte do lugar, é um jovem solteiro que quer se divertir. Repete isso para si várias vezes. A música eletrônica estranha lhe é mais agradável. Ele observa de longe seu amigo dançar e conversar com algumas mulheres. Quando eles se encaram, Rubens dá um sinal de jóia com a mão e abre um largo sorriso. Seu amigo lhe acena de volta e ele fica feliz.

(berros) Olha quem resolveu dançar! - É, eu gostei dessa música! - O quê? - Eu gostei dessa música! - Ah, é a lady gaga! - O quê? - É a lady gaga! A mulherada fica louca! - O quê? Lady Gaga, louca? - É cara, ta tudo loca, chega junto! - Eu não sei que que eu faço!

Na pista de dança com um problema já resolvido Rubens tenta resolver o outro. Enquanto movimenta seu corpo como as outras pessoas, a noite toma dois ritmos, o da música, e o de sorrir e dar goles em sua bebida alternadamente. Observando as tentativas de seu amigo de se aproximar de alguém do sexo oposto, ele ainda não sabe o que fazer. As luzes do lugar e o álcool estão o deixando eufórico e confuso. Quando novamente começa a tocar uma música da artista discutida anteriormente, as pessoas se mostram ainda mais felizes e Rubens toma isso como um sinal.

(berros) O que que eu faço? - Chega junto cara! - Como? - Sei lá! Dá seu jeito, sai da minha cola! - O quê? - Chega beijando, sei lá! - Eu gosto demais de você, você é um grande amigo! - Para com isso, vai pega uma gata! E para de beber!

Rubens caminha e dança, está desnorteado. Cada vez que olha uma mulher nos olhos sente um enorme frio na barriga e desvia seu caminho. O medo de não saber o que falar lhe faz retroceder cada tentativa. Respira fundo e escolhe alguém. Segura um par de braços e atrai o corpo junto ao seu, sua resposta ao nervosismo é beijar, sem dizer uma palavra. O beijo lhe dá uma sensação estranha de prazer e repulsa ao mesmo tempo. Vira as costas e vai embora, anda um pouco e seu amigo, ele tem no rosto um olhar engraçado.

(berros) Cara, aquele cara! - O quê? Que cara? - Aquele cara! - O quê? A mulher que eu tava beijando? - É! Aquele cara!

domingo, 8 de agosto de 2010

Tema: Lady Gaga

Lady Gaga

Dona Íris: To to que que... rendo co co con tar u u u ma ma história pa ra ra vô vô cês, ma ma ta tá difícil. Eu na na nas ci aqui me me mes mo, em Cujubim... Ah Alfre fre do conta pra eles!

Alfredo: Esta é a história de Dona Íris.

Íris, uma doninha que apesar da fala embolada era muito cuidadosa. Tinha uma eterna atenção com suas plantas, suas crianças e a ardósia que cobria o chão da sala. Todos os dias ela acordava, antes do sol; colocava, sempre, o pé direito, e logo em seguida o esquerdo, no par de pantufas que tem o costume de ficar ao lado da cama. Levantava-se, ia até o banheiro, lavava o rosto com sabonete de erva doce, voltava para o quarto e dava um grito, "Jô Jô". Jonas saia da cama, ligeiro, ia até a cozinha para preparar os ovos fritos, sentava-se à mesa e ficava de olho na porta esperando qualquer movimento para, no momento certo, estar com um sorriso firme no rosto.

A vida em Cujubim era assim. Normalmente, todos os maridos ficavam atentos às portas para que não fossem surpreendidos pela chegada inesperada de suas esposas. Nesta cidade, tudo tinha que estar em mais perfeita harmonia, não haviam erros. E se houvessem, todos deveriam fechar seus olhos.

O dia não ia muito além dos ovos fritos e do sorriso teatral no rosto de “Jô Jô”. Depois do lindo café da manhã que o casal vivia toda manhã, era hora de Dona Íris ir até a varanda da casa. A varanda era um cômodo sereno, tranqüilo, onde Dona Íris ficava até o almoço, bordando para os filhos dos seus filhos. A família já tinha atingido aquela proporção em que crianças correm de um lado para o outro da casa. Algumas delas eram até um pouco suspeitas, negrinhas. “Todos eram brancos, quase europeus, porque diabos nasceram crioulos?” De tempos em tempos esse pensamento vinha à cabeça branca de Dona Íris.

“O almoço ta na mesa!” Jonas, que cozinhava muito bem, gritava.

E todos vinham, depressa, experimentar o banquete do patriarca. Cada um tinha o seu lugar na mesa, ninguém ficava de fora e ninguém agia com falta de respeito. Era uma educação quase que francesa, apesar da distância entre a França e Cujubim. Todos tinham modos, e sabiam muito bem como utilizar os talheres. O almoço não se prolongava por muito tempo, de pouco em pouco as licenças eram ditas, e a mesa ia se esvaziando.

À tarde era a vez de Jonas aproveitar a varanda. Pegava o seu jornal e começava pela política. Quando o sol começava a atingir os seus olhos ele já estava no final do caderno de cultura lendo a charge do dia. E ao fim do jornal, como uma extensão de entretenimento, duas mulatas de bom porte desciam a rua, isso era tão diário quanto
a produção do periódico.

Então Jonas encontrava Íris na sala de estar e dizia que estava indo à venda comprar os ovos do dia seguinte.

Íris, não se contentava com o barulho do programa que passava na TV. Aquele era o momento do dia em que ela gostava do silêncio, tinha que estar atenta para a chegada do homem. Como a sua relação com a noite não era tão confortável, ela sempre ia para a cama cedo, e era lá que afloravam seus momentos de angústia a espera de Jonas. Mas ela não permitia que nenhuma asneira tomasse conta de sua mente.

O barulho da porta rangendo.

Jonas finalmente chegava, ia caminhando devagar até o quarto, e quando percebia Íris de olhos abertos, forjava um sorriso firme.

As últimas palavras de Íris eram:

“Bô bô bô bô bô bô bô bô boa noite.”

E Jonas fechava seus olhos.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Tema da semana: Lady Gaga

Tema: Janela

Da Janela

Ontem eu acordei, liguei a televisão, tomei o café da manhã e sentei no sofá. De vez em quando eu comia alguma coisa, dava uma espiada na janela, depois voltava pro sofá. De noite eu fui pra cama. Hoje eu acordei, liguei a televisão, tomei o café da manhã e sentei no sofá, aí eu fiquei pensando. Fiquei pensando na vida, nas coisa da vida, e aí eu fiquei cansado. Tirei um cochilo e acordei com uma dor de cabeça, aí eu pensei, esses pensamento tão me doendo a cabeça. Aí eu fiquei pensando nisso e minha cabeça doeu mais ainda. Se os pensamento me dói a cabeça eu tenho que tira eles dela. Agora eu to aqui, botando pensamento em papel. A tevê ta ligada ali no meio da sala, ta me esperando assisti ela, que besteira tevê não espera. Ninguém ta me esperando. A vida é assim, a gente se mata de trabalha pra consegui as coisa, aí a gente fica cansado, depois fica velho e fica mais cansado ainda, e a gente fica cansado de fica cansado e fica descansando, e depois a gente fica cansado de descansa. Quando eu comprei esse apartamento, achei a coisa mais bonita do mundo. Um apartamento no centro da cidade, eu achava que o centro da cidade era o centro do mundo, aí quando eu acordava antes de ir trabalhar eu ficava tomando meu café espiando a janela. O mundo ia começando acordar e e eu também, depois eu seguia rumo na vida. Agora que eu to velho e cansado o mundo já nem liga mais pra mim. Ninguém liga pra mim. Eu olho na janela, e ninguém me vê, na janela do centro do mundo ninguém me vê. To cansado de ninguém me vê, eu dei minha vida pro mundo. Meu dinheiro, meu tempo, meu trabalho, agora eu to velho e o mundo não quer saber de mim. Deve tá esperando eu morrer pra vender meu apartamento pra alguém, meu apartamento no centro do mundo, com janela, uma janela grande, grande e invisível. Janela grande, é janela grande, eu tenho essa janela aí. Pronto, vo joga alguma coisa dela e vê se o mundo lembra de mim. Joguei. Joguei um prato e foi bom. Eu joguei, ele parecia que caía devagar, fez meio que um zig zague bem devagarzinho e caiu, espatifou todo, aí as pessoas olharam pra cima, ficaram olhando eu rindo, devem tê até assustado, o velho ta vivo, é eles devem tê pensado. Aí eu fiquei rindo deles, uns olharam um pouco, depois continuaram andando rápido, pensando nas coisa deles. Fiquei invisível de novo. Na hora que eles olharam eu fiquei tão forte, o mundo me olhou no olho, aí subiu um calor na minha cara, nas bochecha e eu só fiz ri, foi bom. Agora to invisível de novo, invisível e cansado. Joguei um banquinho de madeira, dessa vez acertou uma mulher, uma mulher gorda comendo pastel, ficando mais gorda ainda, agora o pastel e ela tão no chão. Tem umas pessoa em volta, eles ficaram meio assustado, tão conversando uns com os outro, e eu olhando rindo, alguém gritou ô velho maluco. Velho maluco, velho maluco é o mundo, tem mais de dois mil anos, eu nem cheguei nos oitenta ainda, e esse velho maluco esqueceu de mim, só pensa nas coisa dele. Agora ele tá lembrando de mim, tem que lembra de mim, dei tudo que tinha pra ele, minha vida inteira. Eu é que não fico mais vendo a tevê dele. Olhei na janela de novo e eles tão lá ainda, a mulher ta sentada na calçada e tem um pessoal acudindo, acho que tem um policial também, eles tão tudo conversando, deve tá tramando contra mim, uns tão olhando pra cá, mais daqui a pouco eu fico invisível de novo e tenho que volta pra minha tevê, a única que espera por mim. Que bobagem televisão não espera ninguém, nem a ingrata da televisão ta esperando por mim. Pronto joguei logo a tevê de uma vez. Agora eu joguei uma coisa maior pra demora mais pra fica invisível e depois nem tem pra onde eu volta. É bonito, vê essas coisa caindo daqui de cima, cai devagarzinho, parece que dançando no ar, aí de repente espatifalha tudo e o mundo lá em baixo vai só estranhando. Dessa vez caiu no meio da rua, mais axo que uns pedaço acerto o pessoal que ta parado lá, eles gritaram uns negócio, dessa vez gritei também, gritei pra eles que eu já falei que o mundo que é um velho maluco e que não adianta eles fica tramando que um dia eles vai vê também. Vixe, olhei agora poco e tinha uns homem de marrom entrando no prédio e axo que eles tão batendo na porta, eu to tremendo e rindo, to tão vivo, o sangue ta correndo quente de novo, o mundo lembra de mim, quebraramaporta eu to vivisiohvnas v

terça-feira, 27 de julho de 2010

Tema: Janela

Com licença, Carlos. (Mas eu não confiaria em anjos se fosse você)


A doce calçada que se estende e beira toda a rua,
que percorre toda a cidade,
que se transforma em cidade enquanto houver rua em seu entorno.

Cidade que se entorna dos prédios e cascateia pessoas tristes.
Prédios de fratura exposta, de veias à mostra derramando gente,
Engolindo gente, recebendo luz.
Luz que escapa do olhar. É três por cinco, grita o centro da cidade.
Gritam os olhares distantes e desavisados. Com pressa. E rápido demais, as janelas olham.

Existe um vendedor de mapas lá embaixo.
Em meio ao centro, ao tremor e aos computadores.
Existe um homem vendendo mapa nas ruas.
Existe um mapa na janela fechada do meu computador.
Existem pessoas. E desencontros. E desencontrados.

Existem cores – Graças a deus existem cores ainda- ora, vejam.
Cores constantes. Algum poeta se infiltrou no departamento de trânsito.
Alguém coloriu as ruas constantes com sinais.

Existe o tempo.
Algum apressado pregou um relógio no prédio.
Alguém ritmou as ruas com instantes.


Existe um sino –
preguiçoso como um relógio aposentado, ele ainda existe.
O rádio toca ave-maria. Olha, Carlos, era um anjo também às seis horas.

E por falar em você, Carlos, daqui não vejo pernas. Daqui só as cabeças andam rápido demais. As cabeças de seis horas – sempre olhando pra cima, sempre olhando pra baixo.

E por falar em seis horas, Carlos, a tarde talvez fosse mesmo azul.
Azulejada, pra não esquecer de onde viemos. Pra não esquecer que o sino toca às seis.

E éramos sim, uma cidadezinha qualquer.
Qualquer cidadezinha planejada.
Qualquer calçamento mal-feito.
Qualquer pobreza e bem-feito.
Qualquer vida besta, meu deus do céu.

Mas tudo foi rápido. E rápido demais. Rápido demais as janelas olham – se é que olham - diariamente.
Quer dizer, as janelas mal olham – estão perto dos céus sem precisarem ser vitrais de igrejas. E o que de interessante pode haver lá embaixo? Ou ao lado?

Como os olhos e alma, as construções e janelas: a luz entra e sai rápido demais.
Nos falamos por antenas – que levam as coisas ao espaço pra depois trazer pra rua ao lado. É tudo tão alto, tão vertiginoso, tão sem asas nas costas...

Que são seis horas, aqui e no prédio ao lado e o sino já vai bater.
Eu não pulei ainda.

domingo, 25 de julho de 2010

Tema: Janela

O que é a loucura, Pedro?
A loucura é a janela que se abre assim que a criação vem à tona... e a criatura se perpetua. São esses três pontos entre um e outro.

sábado, 24 de julho de 2010

Tema: Janela

Todo mundo vê a vida apenas através dos próprios olhos e tudo é recorte. Se dois corpos não podem ocupar no mesmo instante o mesmo lugar no espaço, e vivemos sempre submetidos ao tempo e ao espaço, ninguém nunca viu exatamente a mesma coisa que outra pessoa. Todo recorte é particular e a janela não é um buraco na parede e sim um pedaço da paisagem.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Tema da semana: Janela

domingo, 18 de julho de 2010

Tema: Umbigo

Raimundo era um nome até bem comum pra uma pessoa tão peculiar. Como se não bastasse o fato daquele homem de estatura média e olhar distante ser estranhamente normal e comum, daquele jeito que incomoda, ele possuía uma peculiaridade um pouco mais impar: Raimundo não tinha umbigo. Ninguém sabia de onde ele tinha vindo, nem nada de famílias ou documentos, só sabiam que ele era bom.

Envolveu-se com varias garotas na vida, mas nenhuma deu certo. Era emotivo, mas nunca passava das lagrimas no travesseiro e as conversas chorosas de bar, mas quando se dava pra alguém era de corpo e alma. Uma das vezes que ficou mais intrigado com um de seus pseudo-relacionamentos foi quando uma garota lhe perguntou se ele pensava que o mundo girava ao seu redor e ele realmente não entendeu nada. Era incapaz de fazer mal a alguém, de pensar em si antes dos outros ou de se utilizar de algum juízo de valor pra comparar as pessoas a si.

Certa vez conheceu uma garota que funcionou mais do que as outras e ele por um instante começou a se sentir alguém.Cortou o cabelo, comprou roupas novas, decidiu até tirar os documentos que nunca teve e procurar um lugar melhor pra morar. Achava-se meio feio, mas pela primeira vez se achava alguma coisa, e percebeu que recebia dela o que nunca soube que procurava. Olhou um apartamento numa sexta, três dias antes do dia em que ia sair pra tirar sua primeira certidão de nascimento, que ele nunca se importou se tinha. Ironicamente ela o deixou no domingo, e toda aquela coisa que havia passado a existir e que pra ele foi tão grande, ele percebeu que não passou de uma coisa qualquer pra ela.

Incapaz de ter agir com ódio ou rancor, só os sentiu por dentro, mas não fez nada de mal pra garota, até pelo contraio. O que ele não sabia é que ela também tinha sérios problemas e viva de bem com a vida à base de ser agredida e ofendida por todos os homens que já teve e se sentir em paz como uma boa e confortável vítima. Mas não dessa vez. Enlouquecida com o fantasma da culpa que lhe contemplava com cem por cento dos motivos daquela degradante e inédita situação, a garota o procurou, esperando alguma resposta que a deixasse em paz.

Encontraram-se e ele, inofensivo, despertou nela uma loucura demoníaca, ela não suportava a culpa. Depois de uma conversa que terminaria com um abraço de “bons amigos”, ela, no cúmulo da loucura, lhe enfiou no ventre um talher da lanchonete onde se encontraram, na tentativa de se livrar daquele demônio interior que estava em sua frente.

Em um impulso súbito de uma espécie de amor próprio que ele nunca teve, por um instante se achou digno de existir e se colocou na frente de todo o resto, e antes que ela lhe golpeasse novamente, Raimundo a pegou pelo pescoço e ela já estava morta por legítima defesa quando ele caiu desfalecido pela quantidade de sangue que perdera.

No dia seguinte, no hospital, o médico disse que Raimundo havia nascido de novo, e ele o corrigiu dizendo que na verdade ele havia só nascido, seria registrado no mesmo dia. Um pouco intrigado mas com um certo senso de humor, o médico sem saber brincou: “Você teve sorte! Não vai restar cicatriz aparente, a garota te enfiou uma faca bem em cima do seu umbigo!”

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Tema: Umbigo

Calor

Sinto falta de uma parte de mim. Quando acontece, aliso a barriga, fico inquieto, deito em minha cama e me fecho. Sinto um frio que vem devagar, bem de mansinho, vem rastejando a pele até chegar no osso. Aí eu me escondo debaixo de uma coberta qualquer, e não adianta. Esse frio não se mata com pano, nem mesmo o calor das mulheres que se encontra por aí pode acabar com ele. A pele quente quando roça na outra serve só pra circular o sangue, depois, hora ou outra o frio volta. A saudade desse meu pedaço bate, eu aliso a barriga, ando pra lá e pra cá, e acabo por deitar na cama. Aí já não tem mais jeito, tem que deixar o frio roer o osso mesmo, e ficar quietinho, quietinho esperando o sono vir, as vezes em sonho da pra lembrar daquele calor, do escuro, e como tudo era fácil seguro ali, o conforto enorme de se ficar encolhido, sentindo essa pedaço me ligar ao calor. Aí eu acordo, levanto e vou viver a vida. Vez ou outra o frio volta e me lembra. Sinto falta de uma parte de mim.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Tema: Umbigo

O filho que tive, tive e perdi. Guardei-o com tanto medo no meu quarto, em minha cama, em meus seios, no meu ventre.
Eu o trouxe ao mundo, levei-o a escola, e de volta ao hospital quando adoeceu e, além de tudo, já busquei em festa, chorei na madrugada, padeci no paraíso, como diz o outro.
A cama sempre tava arrumada, a comida eu que fazia, ou quando pude pagar uma empregada, era só o que ele gostava.
Levei pra comprar merendeira, roupa, boné, tênis novo. Dei uma fita cassete de rock. Ele perdeu tudo – na escola, na rua, na casa da namorada...
Eu já passei tanta pomada em peito cheio, em assadura, em espinha. E agüentei tanta noite em branco por conta de leite, ou de doença, ou de festa até tarde.
Eu já mandei não gritar comigo, se impôr pros coleguinhas, obedecer o pai, respeitar os mais velhos, falar o que tava sentindo, pensar antes de falar.
Já ajudei com dor de joelho ralado, de cotovelo, de estômago, de barriga, de cabeça.
Nunca levantei a mão, mas segurava firme sempre que ia atravessar a rua, pra que ele não se perdesse de mim, pra que um carro não o levasse, pra que ele não se esquecesse de continuar e seguisse em frente, adiante, até o outro lado.
Mas o outro lado o levou.
E minhas mãos ficaram vazias e sem poder levantar, assim como meu corpo. A dor foi de uma contusão que nem eu mesma sei onde, mas que parece tortura. A voz sumiu de tanta vontade de gritar. E não tem pomada, nem oito horas de sono pra isso. A cama não fica mais bagunçada e sobra comida- mas eu continuo arrumando os lençóis e servindo o prato. E já me levaram ele – pra me evitar o trabalho de ter de levá-lo a algum lugar, levaram o menino daqui. E eu levei-o ao hospital uma ultima vez.
O filho que tive, tive e perdi. Guardei-o com tanto medo no meu quarto, em minha cama, em meus seios, no meu ventre, que não soube me desgarrar, não soube parir de novo, nem cortar o elo que nos une, e que médico nenhum conseguiu. Mas a vida...