sábado, 25 de setembro de 2010

Tema: Amarelo

Sobre o ornato oval de um capitel

Hoje foi o dia que o mais alto grau de percepção humana tocou-me a porta, assim, logo de manhã, antes mesmo da possibilidade de eu abrir os meus olhos, uma luz amarela veio, em uma intensidade inexplicável, e o fez. Ergui-me primeiramente leve, segundamente ansioso, e em um movimento quase simultâneo eu me levantei da cama e olhei para o criado-mudo ao lado. Havia nele um isqueiro, um acendedor de cigarros, um causador de incêndios, um queimador de fiapos indesejados que a vida nos oferece, um criador de iluminação para Neandertais, era arte, era tudo isso em um objeto branco, visualmente simples e inocentemente tolo. Mas, por incrível que pareça, a única função que aquela tolice tem para mim é a de tirar a tenuidade do meu caminho. Quando eu o pego e o executo vem junto disso um desabafo descomunal, excessivo, que deveria me perseguir diariamente, isto é, se eu fosse o grande senhor das minhas fatalidades, e forças que predispõem os acontecimentos que me permeiam. “Não! Você não é! Não tem o controle!”

Uma incerteza, como aquelas faixas amarelas estampadas no asfalto da avenida larga onde sua avó rica comprou um novo apartamento com o dinheiro da aposentadoria que o presidente solene proporcionou a ela. Farta aposentadoria, outra tolice. Se fosse farta de fato a velha pagaria um bom dentista para tirar o amarelo dos dentes que acabam apresentando ao mundo um sorriso antipático que faz dela uma velha ranzinza. Desde os meus doze anos vejo aquela porta entreaberta e vou entrando acreditando que posso confiar na dúvida do desconhecido. Estupidez infantil. A incapacitada vem logo dizendo para eu tirar os meus sapatos, que não quer ver, sequer, uma mancha amarela no piso branquinho que a empregada (que mais parece uma governanta parisiense) acabou de limpar.

Quando eu atingi uma idade mais perigosa, peguei o meu isqueiro e, achando que estava fazendo um favor e contribuindo para a felicidade das pessoas que me rodeavam, incendiei o prédio onde a mãe da minha mãe morava. Logo, em questão de poucos minutos uma chama leve e amarela, se tornou monstruosa e amarela, meus olhos seguiram o tom do amarelo que tinha se alojado em torno da moradia de mais de quarenta pais de família devidamente empregados e supostamente felizes. Foi um desabafo, como eu já disse.

Dizer a respeito de qualquer coisa requer uma capacidade mínima de formalizar algo em uma linearidade que possa ser compartilhada. O amarelo não é assim; nem sempre precisa ser linear para dizer aos outros que a vida pode estar em perigo ou em êxtase, dependendo do lugar em que você está quando o sol se põe. Você se dispõe a tamanha fantasia que a luz do dia, simplesmente, não consegue atingir, e a frustração vem logo cedo acompanhada de um copinho de isopor com uma porção decadente de café com leite. Sua avó é quem fez? Eles te perguntam em um tom de desacato e vomitam a falácia que, por questões sociais, deve ser contemplada. Não te deixam acreditar em nada. E outra fábula que faz parte do discurso deles é: Você precisa matar a sua avó - do ponto de vista psicológico -, aniquilar a velha. E você, taciturno, vai até o canto do quarto e adormece.

A característica mais instável minha, sua e talvez deles é o talento de, em algum ponto extremo da corrida humana, conseguir o equilíbrio entre o vermelho, o azul, o amarelo e o rosa; e, assim, colorir o fim da tarde com um profundo suspiro de quem quer acordar outra vez com o maior grau de percepção que um compassivo pode ter.

Nenhum comentário:

Postar um comentário