terça-feira, 30 de novembro de 2010

Tema da semana: caçula

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Tema: Giz

Desenhar coisas na areia é por si só um cliché tão completo que até o mar apaga pra não cansar.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Tema: Giz

Cerveja

Tem dias que são brancos, simplesmente são brancos e mais nada. Promoção do dia, gravado em giz branco no quadro negro. Segunda feira de feriado, mais ou menos sete da noite, e a chuva caía. Eu tava sentado naquela mesa de plástico grudenta há uns quarenta minutos, e nada dele. Quase no coração da cidade e a rua tava completamente vazia. A televisão tava ligada em algum filme idiota, os três funcionários sentados na mesa do lado assistindo. De vez em quando um passava o olho preguiçoso, conferia a cerveja, provavelmente ria da minha cara e ficava puto, era segunda feira de feriado e ele queria estar em casa, chovia. Aqueles que não conseguiram fugir da cidade tinham dignidade suficiente pra aceitar a chuva e ficar em suas camas vendo aquele filme idiota na tevê. Eu não. Quarenta minutos e nada. Liguei pra ele, disse que estava chegando, como sempre, e isso tinha sido há trinta minutos atrás. Mas não era um problema, a essa altura do campeonato eu já tinha me desligado de tudo, cortado todos os laços. Eu tava lá pra tomar cerveja, só não queria ficar sentado em algum bar vazio fazendo papel de alcoolatra. Na rua nem uma alma viva. Vez ou outra passava uma criança perdida. Eu esperava que alguém aparecesse e sentasse em alguma mesa, só pra preencher o vazio. Hora o garçom olhava, hora era o caixa, conferiam a cerveja, conferiam a figura e depois se voltavam pro filme idiota. Ao meu redor eu via a chuva caindo no asfalto, molhando o chão, deixando as luzes da cidade mais vivas e dançantes, as árvores balançavam, na calçada o quadro negro gravado em giz branco escorria com aquela água toda. Tinha muita poesia naquele momento. Em mim não.

Quando ele finalmente chegou, nos comprimentamos - friamente, ele se sentou e pediu um copo. Trocávamos algumas palavras e bebíamos. Falamos isso ou aquilo sobre a vida, sobre o tempo - chuvoso, sobre tempos - passados, quando por fim chegamos ao vazio da cidade, decidimos mudar de bar. A chuva agora era só uma massa húmida formada por minúsculas gotinhas, dava pra ir. Caminhávamos com as mãos nos bolsos, os olhos voltados pro chão. Os buracos da calçada, cheio de água suja, as bitucas boiando. Seguíamos, sem palavras, sem medo, sem nada. Beber por beber. Finalmente apareceu um buteco, fizemos da mesa nossa cama. Descansamos. A cerveja tava quente, e as pessoas eram estranhas. As pessoas das segundas de feriado chuvosas em buracos alheios sempre são estranhas. Gente bituca. Na primeira cerveja quase não falamos, na terceira as frases se alongavam, na sétima já cantarolávamos. Eis que um corpo cai, alguém que provavelmente exagerou na farinha, as pessoas arrodiaram, tinha gente chorando, rezando e até rindo. A ambulância passou, tudo normal. A chuva engrossou e nem a marquise dava mais conta de segurar, quem estava bêbado o suficiente ficou na chuva mesmo, bebendo cerveja com água suja, os outros se espremeram todos na salinha que era aquele lugar. Falávamos alto, ríamos alto, já não dava pra saber mais quem era amigo de quem. Todo mundo conversava junto, ria junto. De repente um travesti começou a cantar, foi muito bonito, todo mundo se calou, e só dava pra ouvir aquela bela voz e a chuva caindo no asfalto. Se alguém ali tivesse de chapéu ia tira-lo da cabeça e o seguraria em seu peito como voto de respeito. De alguma maneira todos nós fizemos isso. Pensávamos na vida, na rotina, nos pássaros que buscavam abrigos em canos. Não pensávamos.

A coisa só mudou quando ele puxou a primeira música do nelson. Todo mundo começou a cantar junto e dançar, faltou o cavaquinho, mas a gente fazia do jeito que dava, batucava na mesa, batia palma, e desse jeito foi indo. Todos dançavam, vestiam belos sorrisos na cara. Quando uma garrafa ou copo caía no chão todo mundo batia palma e dava um berro, não demorou muito pro primeiro subir na mesa, de repente a luz acabou. Mas ninguém ligou, a cerveja quente só ia esquentar mais um pouco e tinha muita cachaça pra amortecer. Alguns acenderam isqueiros, e tinha até vela. A dança e o canto não parava. Quando a luz finalmente voltou estávamos em outro bar. Dessa vez éramos cinco, a sinuca era a bola da vez, a jukebox marcava o rítimo. Os que tinham energia dançavam, batiam palmas, cantavam, os mais cansados se sentavam nas cadeiras batendo pé e esperando a vez no jogo. A cerveja ia e vinha e novamente o bar se unia, pessoas davam palpite, escolhiam músicas, mal deu tempo da festa começar e já andávamos pela rua, dois quarteirões e paramos novamente em um canto.

Sem chuva a união era menor, eram formados pequenos grupos, e dava para perambular entre eles. Falavam de tudo, não sei o quê traiu o movimento, novo cd de fulano de tal ta muito comercial, lá no senado a coisa ta feia. Todos tinham muita propriedade, homens sábios aqueles. Se pudessem reger o mundo acabariam com a fome, a miséria e a ignorância em minutos. O sol estava pra nascer quando ele se apaixonou por uma senhora, ela usava roupas coloridas e chuvapava um pirulito, ele fazia promessas de amor, ela ria e falava delícia de um jeito bem engraçado. As pessoas iam embora para suas casas e eu cansado novamente esperava por ele, dessa vez vivia seu amor descartável dentro do banheiro sujo. Enquanto isso eu ali na sarjeta tomando a última garrafa de cerveja possível do dia. Quando ele finalmente voltou, caminhamos rápido pela rua, suas mãos tremiam e eu preferi não tocar no assunto. Perto de onde encontramos no começo da noite nos despedimos, cada um seguiu seu rumo e eu nunca mais o vi, nem recebi notícias suas. Caminhando para casa, o sol batia forte na cabeça, minha boca estava igual ao deserto do Saara, meus joelhos desidratados doíam, minhas costas doíam, a vista cansada só queria apagar. Eu dividia a rua com trabalhadores a caminho do serviço, famílias que iam pra praça, pra igreja, senhores de idade que jogavam conversa fora na padaria, com o jornal de baixo do braço. Eu embriagado e sujo me senti mal. Olhei pro lado e vi aquele primeiro bar, onde passei minha quase hora sozinho, o quadro negro estava gravado em giz branco uma nova promoção do dia. Amanhã vai ser um dia melhor.

domingo, 7 de novembro de 2010

Tema: Giz

Poema retirado de um quadro-negro

Se parte de mim vira poesia completa
A outra vira pó.

Tema: Giz

Para Mendonça, Bonfá e Neto



A vida tal qual é... já não é mais. Não estou me queixando, aparento-me triste, mas é só a idade, acredite. Venha até aqui... dê uma olhada. Ficávamos ali, esperando mamãe Dinorá, sem se importar com o tempo da demora; não, não era costume a raiva florescer por tal razão. Lembro-me que levava no bolso uma ponta de giz branco para, em bons momentos, escrever em Francisco. Ahh! A Francisco Nunes; largas calçadas, lisas, uma planície de concreto, bons tempos de bolas de gude. Eram estouros frequentes, e com frequência também as perdia nesses recém bueiros instalados nos pés de Francisco.

Quando íamos à praia, logo do bonde via-se a temperatura da água. A maneira como as mocinhas, perdidas nas dunas de Copacabana, se portavam, dizia se o certo a fazer era aproveitar a mesma viagem para ir de volta pra casa, ou descer do bonde e ir de encontro ao desfrute. Copacabana era um solo fértil, criávamos muito. Ipanema ainda não tinha ganhado destaque, era terra de mulato.

Quando comecei a frequentar os bares dos alemães a beira-mar, conheci Lígia. Lígia era linda, era como o Jazz, um balanço descompassado. Vinha, bonita, naqueles uniformes da escola normal. A noite, trajando a moda dos vestidos de paetês, sentava-se sempre à mesa da frente para me provocar. E eu me encantava. Ela foi uma das primeiras que me chamou atenção. Mais tarde tive a infelicidade, por vezes, de vê-la chegar bêbada. Enquanto eu ficava em casa, compondo, Lígia ia, se perdia na noite. Houve uma época em que eu a amava muito, me permiti o sofrimento, mas não por muito tempo. Depois de um ano juntos, Lígia foi embora, e junto dela a boemia alemã.

Sentado nos novos bares, tupiniquins por excelência, lia muito a respeito de Mário e seus colegas de São Paulo, pretensiosos em inventar o Brasil. O mesmo Brasil que por aqui era inventado. Ipanema tinha uma nova importância. Ali eu e o poeta, mergulhados em conversas e whisky, via-mos a vida e as boas mulheres passando. Ela vinha, desde o final do Leblon, no antigo posto 12, rebolando, fazíamos pequenos comprimentos para ela, e tudo ficava bom. A moça não sabia o grau de influência que o seu balanço tinha na nossa música. Era novamente o Jazz, o brazilian Jazz. Temos muito a agradecer aquela garota. Ganhamos o mundo por sua causa.

Depois vieram os encontros no Au Bon Gourmet, e as noites cariocas nunca mais foram as mesmas. Já tínhamos muitas boas canções, sambas de primeira. O diplomata vinha de terno e gravata, o Itamaraty não gostava da idéia de vê-lo sempre enfornado nos bares da noite. Mas não poderia deixar de aparecer, ele era peça importante na roda. Era um letrista e tanto. Um poeta popular, e um boêmio genuíno. Foram bons encontros aqueles.

Ahh, mas era um tempo feliz, como sinto saudades. Agora, a minha janela não passa de um quadrado, só vejo Sergio Dourado, onde antes eu via o redentor. Não fui forte à pressão do saudosismo, e no janeiro de 1982 me atirei da varanda do meu apartamento. Foi um suicídio fracassado, passei quatro meses e onze dias em coma, mas sobrevivi com séria fratura no crânio que deixaria sequelas.

Hoje estou vivendo em Juiz de Fora, e o que me resta, além de um cantinho e um violão, é o velho piano, várias telas e as caixinhas de giz branco. Como, ultimamente, ando meio desligado, uma farsa de Rita cuida de mim e coloca a mesa do café, almoço e jantar todos os dias. Vivo como as crianças da rua Francisco Nunes.

domingo, 24 de outubro de 2010

Tema da semana: Giz

Tema: Ginástica Rítmica

Por mais ou menos uma semana as coisas corriam um pouco bem demais. Já me acusaram de gostar de sofrer ou até de masoquismo mas estou certo de que não é o caso: as coisas estavam muito bem. Averiguei nos não muitos metros quadrados da praia ao meu redor todas as árvores frutíferas, fontes de água doce, tudo pra me manter bem. Minha casinha ficava no lugar mais seguro e com a melhor vista e eu, sistemático que sou, listei, só de cabeça mesmo, todos os lugares que dava pra deitar e olhar alguma coisa, os que pareciam cenário de algum filme ou um quadro qualquer e os que me lembravam outros lugares. Pronto. Por uma semana tudo estava no lugar, a vida corria bem, tudo estava dentro dos conformes.
Mas com o tempo, de repente os conformes foram virando de cabeça pra baixo e tudo que era certo foi ficando errado e no final eu ficava só sentado vendo as ondas batendo uma atrás da outra, como se alguém girasse um pedal num ritmo constante, uma a uma, nas pedras desajeitadas e pontiagudas que faziam daquilo um deserto.
Naquela ginástica rítmica, uma onda mais forte chegou de mansinho até perto de mim, molhou meu pé e eu senti a agua, tênue e fresca. Aí eu pensei nas pedras e em como os ditados populares são sábios. Fechei os olhos e no "escuro" do fim de tarde eu vi a ultima cena daquele filme: "Le temps detruit tout".