domingo, 18 de julho de 2010

Tema: Umbigo

Raimundo era um nome até bem comum pra uma pessoa tão peculiar. Como se não bastasse o fato daquele homem de estatura média e olhar distante ser estranhamente normal e comum, daquele jeito que incomoda, ele possuía uma peculiaridade um pouco mais impar: Raimundo não tinha umbigo. Ninguém sabia de onde ele tinha vindo, nem nada de famílias ou documentos, só sabiam que ele era bom.

Envolveu-se com varias garotas na vida, mas nenhuma deu certo. Era emotivo, mas nunca passava das lagrimas no travesseiro e as conversas chorosas de bar, mas quando se dava pra alguém era de corpo e alma. Uma das vezes que ficou mais intrigado com um de seus pseudo-relacionamentos foi quando uma garota lhe perguntou se ele pensava que o mundo girava ao seu redor e ele realmente não entendeu nada. Era incapaz de fazer mal a alguém, de pensar em si antes dos outros ou de se utilizar de algum juízo de valor pra comparar as pessoas a si.

Certa vez conheceu uma garota que funcionou mais do que as outras e ele por um instante começou a se sentir alguém.Cortou o cabelo, comprou roupas novas, decidiu até tirar os documentos que nunca teve e procurar um lugar melhor pra morar. Achava-se meio feio, mas pela primeira vez se achava alguma coisa, e percebeu que recebia dela o que nunca soube que procurava. Olhou um apartamento numa sexta, três dias antes do dia em que ia sair pra tirar sua primeira certidão de nascimento, que ele nunca se importou se tinha. Ironicamente ela o deixou no domingo, e toda aquela coisa que havia passado a existir e que pra ele foi tão grande, ele percebeu que não passou de uma coisa qualquer pra ela.

Incapaz de ter agir com ódio ou rancor, só os sentiu por dentro, mas não fez nada de mal pra garota, até pelo contraio. O que ele não sabia é que ela também tinha sérios problemas e viva de bem com a vida à base de ser agredida e ofendida por todos os homens que já teve e se sentir em paz como uma boa e confortável vítima. Mas não dessa vez. Enlouquecida com o fantasma da culpa que lhe contemplava com cem por cento dos motivos daquela degradante e inédita situação, a garota o procurou, esperando alguma resposta que a deixasse em paz.

Encontraram-se e ele, inofensivo, despertou nela uma loucura demoníaca, ela não suportava a culpa. Depois de uma conversa que terminaria com um abraço de “bons amigos”, ela, no cúmulo da loucura, lhe enfiou no ventre um talher da lanchonete onde se encontraram, na tentativa de se livrar daquele demônio interior que estava em sua frente.

Em um impulso súbito de uma espécie de amor próprio que ele nunca teve, por um instante se achou digno de existir e se colocou na frente de todo o resto, e antes que ela lhe golpeasse novamente, Raimundo a pegou pelo pescoço e ela já estava morta por legítima defesa quando ele caiu desfalecido pela quantidade de sangue que perdera.

No dia seguinte, no hospital, o médico disse que Raimundo havia nascido de novo, e ele o corrigiu dizendo que na verdade ele havia só nascido, seria registrado no mesmo dia. Um pouco intrigado mas com um certo senso de humor, o médico sem saber brincou: “Você teve sorte! Não vai restar cicatriz aparente, a garota te enfiou uma faca bem em cima do seu umbigo!”

2 comentários:

  1. hahahahahahahhahaha Brilhante, e lindo. Nalguns trechos, me identifiquei, te identifiquei e identifiquei o um mundo, um não mundo, e conheci o Raimundo, se me permite comentar o fato de eu ter tido uma interpretação. "Prontointerpretei", sabe aquela comunidade? Então...
    Adorei, Matt!

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