quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Tema: Massinha

Já faziam quatro semanas que eu não conversava com ninguém e naquele momento aquilo parecia algo muito bom. Poucas roupas e pertences e quase tudo molhado e sujo, naquela bagunça pós-tempestade e eu só conseguia me lembrar dos meus discos e de como devia ser naufragar no espaço como o Major Tom da musica do David Bowie.
Nunca tive muita coisa, mas sempre o que tive foi precioso. Agora pra mim eu organizava num canto as minhas coisas e numa marmita de metal eu guardava coisas pra memória: um pacote inteiro de massinha de modelar que eu usava pra fazer bonequinhos - todos verdes, a unica cor que eu tinha - das pessoas importantes pra mim: a Yoko, minha cachorrinha, meus pais, meu irmão, Gabriel Garcia Marquez e mais uma meia dúzia de pessoas que ainda estavam comigo sempre.
Das nove semanas que eu passei naquela praia estranha e deserta, a ultima foi a que eu mais pensei. Armazenei umas frutas debaixo da árvore, um pouco de água, assentei e pensei. Pensei muito. Pensei em como deve ser viver na pele de um cachorro, sobre como boa parte da vida é desnecessária, como as coisas não fazem muito sentido e que a gente só fica em paz quando aceita isso, e como Tom Jobim errou na letra de "Wave": é plenamente possível ser feliz sozinho.Pessoas de massinha são seres humanos perfeitos ainda que tortos e mal feitos, inclusive, porque os de verdade são assim também.
Pensei tanto que esqueci de pensar em o que que seria da minha vida: foram os primeiros dias que eu não pensei nisso, e justo quando eu aceitei a condição de náufrago e já funcionava como um eremita perfeito, veio uma tempestade denovo e eu fui engolido sorrateiramente pelo mar e acordei na enfermaria de um clube à beira mar de uma praia de Santa Catarina.
Desde então, quando dá eu viajo pro litoral e perambulo de praia em praia atrás das minhas pessoas de massinha e da saudade que eu tenho de mim.

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