domingo, 24 de outubro de 2010

Tema da semana: Giz

Tema: Ginástica Rítmica

Por mais ou menos uma semana as coisas corriam um pouco bem demais. Já me acusaram de gostar de sofrer ou até de masoquismo mas estou certo de que não é o caso: as coisas estavam muito bem. Averiguei nos não muitos metros quadrados da praia ao meu redor todas as árvores frutíferas, fontes de água doce, tudo pra me manter bem. Minha casinha ficava no lugar mais seguro e com a melhor vista e eu, sistemático que sou, listei, só de cabeça mesmo, todos os lugares que dava pra deitar e olhar alguma coisa, os que pareciam cenário de algum filme ou um quadro qualquer e os que me lembravam outros lugares. Pronto. Por uma semana tudo estava no lugar, a vida corria bem, tudo estava dentro dos conformes.
Mas com o tempo, de repente os conformes foram virando de cabeça pra baixo e tudo que era certo foi ficando errado e no final eu ficava só sentado vendo as ondas batendo uma atrás da outra, como se alguém girasse um pedal num ritmo constante, uma a uma, nas pedras desajeitadas e pontiagudas que faziam daquilo um deserto.
Naquela ginástica rítmica, uma onda mais forte chegou de mansinho até perto de mim, molhou meu pé e eu senti a agua, tênue e fresca. Aí eu pensei nas pedras e em como os ditados populares são sábios. Fechei os olhos e no "escuro" do fim de tarde eu vi a ultima cena daquele filme: "Le temps detruit tout".

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Tema: Ginástica Rítmica

Fita Amarela

Gi
-nástica -tmica Despor-ti-va. Ela dizia de boca cheia. É dança e é arte sabe? O som alto de sua voz invadia a sala com aquele seu sotaque paulista irritante. Os anos se passavam, o jeito de falar não. Tão pouco deixava de incomodar. Ela nem ao menos nasceu lá, morou por três anos e olhe lá, porque não fala normal que nem a gente daqui? Pensava de vez em quando. Naquelas vezes em que ele estava mais cansado, e ela parecia falar mais alto, e mais paulista. Nossa! Como eu era boa. Eu era tão bonita, tão harmoniosa. Se eu não tivesse quebrado a perna eu tinha até ido pra Atlanta em noventa e seis. Aquele noventa e seis, falado daquele jeito, dava uma dor de cabeça. Ainda esboçava uma cara de interessado, mesmo depois dos sete anos passados. Sete anos, sempre a mesma história. Depois de um longo dia de trabalho não era fácil. Balançava a cabeça, abria um sorriso hora ou outra e tomava o seu café silenciosamente. Ele era quieto, ela gostava disso. Podia contar suas histórias, ele iria ouvir. Se ela pudesse ouvir o que a cabeça dele dizia. Mas a boca se recusava a falar, e as coisas seguiam assim. O trabalho também não ajudava muito, o emprego de vendedor ia ser provisório, era pra segurar as despesas até ele se acertar, fazer aquela pós e virar professor. E de repente se passaram sete anos.

Gi-nástica -tmica Despor-ti-va. É dança e é arte sabe? Nossa! Como eu era boa. Eu era tão bonita, tão harmoniosa. Se eu não tivesse quebrado a perna eu tinha até ido pra Atlanta em noventa e seis. Esse jeito de falar, esse jeito de falar. Ele pensava enquanto mordia o canto da boca. Ela nem era tão boa assim, nunca ganhou nada, o que eu sei é que ela era uma promessa, assim como centenas de outras garotas pelo país. Podia muito bem ter voltado a treinar quando se recuperou que eu sei, eu sei, já conversei com o pessoal da cidade dela. Não. É mesmo é uma preguiçosa, que gosta de ficar sentada nesse sofá o dia inteiro vendo novela. Harmonia, graça, beleza? Não tem nem mais rastros disso, esses anos no sofá vivendo o passado deixaram ela fora de forma, seu jeito de andar era engraçado e desajeitado, seus sonhos são amarelados e tristes, estão virados ao avesso, são apenas uma lembrança morna e mentirosa. E esse sotaque, esse sotaque. A cabeça dizia, a boca não.

Gi-nástica -tmica Despor-ti-va. É dança e é arte sabe? Nossa! Como eu era boa. Eu era tão bonita, tão harmoniosa. Se eu não tivesse quebrado a perna eu tinha até ido pra Atlanta em noventa e seis. Mal tinha fechado a porta, o ponteiro apontava seis horas da tarde, tinha trabalhado o dia inteiro. Lidando com todos os tipos de pessoas, com aquele sorriso falso na cara, aquela simpatia fajunta. Olhou pra sala e viu aquela mulher, a televisão ligada como sempre, a mesa e o café frio esperando por seu silêncio e sua cara de interesse postiça. De repente ele para. Sua cabeça parou de pensar, se cansou de tanto dizer e a boca recusar a falar, e do corpo que nada faz. Sente na boca o gosto do café, o mesmo de todos os dias, sem calor, sem açúcar e sem afeto. Vê a mulher, que vê a tevê, que mostra pra ele que é tudo igual, a mesma trama, o mesmo horário. São seis horas e o tic tac do relógio diz, são seis horas e você não fez nada hoje, são seis horas e tem tempos que você não faz nada, nada que faça você esquecer das horas e de que lembre você que está vivo. Diz. Em tic tac mas diz.

Gi-nástica -tmica Despor-ti-va. É dança e é arte sabe? Nossa! Como eu era boa. Eu era tão bonita, tão harmoniosa. Se eu não tivesse quebrado a perna eu tinha até ido pra Atlanta em noventa e seis. Diz o homem com um sotaque paulista exagerado e nada natural. A mulher amarrada na cadeira da mesa de jantar sua frio, está assustada e surpreendida. O homem vestido com a sua velha roupa de ginástica, ilustra todo o absurdo da situação. Repetindo essas mesmas palavras com o falso sotaque e a voz de forma afeminada, ele corre pela casa rapidamente, agita as fitas da maneira mais harmoniosa que consegue. Primeiro ele quebra a televisão, depois o relógio, segue quebrando coisa atrás de coisa, repetindo as mesmas palavras, sua boca nunca falou tanto, seu sangue corre quente, a cabeça pensa: to vivo relógio filho da puta!

Gi-nástica -tmica Despor-ti-va. É dança e é arte sabe? Nossa! Como eu era boa. Eu era tão bonita, tão harmoniosa. Se eu não tivesse quebrado a perna eu tinha até ido pra Atlanta em noventa e seis. Essas palavras nunca mais foram ditas ou ouvidas naquele lar. Aliás tudo que era dito já não carregava mais sotaque algum, se não o da região. As seis horas eram indicadas apenas pela chegada do homem pois relógio algum ou televisão jamais habitaram aquele lar novamente. A mulher que tinha por ele agora respeito, ou medo (há quem diga que é tudo a mesma coisa) o recebia todos os dias com a casa limpa e um farto jantar posto a mesa. As nove da noite, o homem desfrutava sexualmente de seu corpo e ao terminar virava para o lado e dormia.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Tema: Ginástica Rítmica

Judite e Juarez

I
- Se por um acaso ele chegar você me grita, tudo bem?!
- Sim.
II
O gim tônica não foi o bastante...
- O meu sinhô, veja pra mim uma ginástica rítmica.
Foi dessa forma que eu perdi o juízo, numa mesa de bar em Manoel Urbano.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Tema: Ginástica Rítmica

Ginástica rítmico-regressiva de um título sem texto sem tema sem trama centrado em um homem monótono.

Ou

De perto, não há monotonia

Ou

Muitas vezes a gente não entende o ritmo das coisas.



Segunda:
Já se tinha visto aquele rapaz andando por aquelas bandas, assistindo filmes, comendo cachorro quente, roubando motocicletas, chupando refrigerantes em canudos de duas cores, amando perdidamente uma cadela-animal, chorando copiosamente por uma cadela-mulher, ligando pros pais, rezando pros livros rasgados e jogados na privada de um banheiro público, transando com cheiros, limpando o azar, correndo de medo, morrendo de só, sozinho de tudo, sorrindo pra vida, beijando crianças, subindo em árvores, chutando maçãs, espremendo morangos morangos morangos morangos pra quê?.
Ele vendia dinheiro no mercado livre. Dez horas da manhã, diariamente anunciava NOTA DE UM REAL, R$ 2,00. Era dia 05 – datas são importantes – ele comprou uma centrífuga. Jogou todo o leite com toddy, esperando tomar marilyn monroe no café da manhã, que saiu na hora do almoço. Saiu pra trabalhar, espera aí – que trabalho? Demitiu-se ali na Tupis, antes mesmo de chegar ao prédio. Chegou em casa, tirando os tênis, correu para a televisão, abriu-a, pois queria pintar com aquelas cores ali de dentro. Pegou a tela, levou pro banheiro, de frente pro espelho encenou bruce wills. Ele era, era sim, o bruce wills, tomando um refrigerante, chupado por um canudo de duas cores.
Isso tudo na segunda.

Terça:
Alguém observava, era certo. Saiu no meio do filme, chorou pela cadela-animal no meio da rua morta – isso mesmo, rua morta; ligou pra cadela-mulher e confessou amar os pais perdidamente, rasgando a vida, sorrindo pra privada de um banheiro publico, sozinho de tudo, transando só, morrendo copiosamente nos livros, espremendo árvores, beijando maçãs, chupando morangos, limpando cheiros roubados, que azar azar azar azar azar az.
Ar, ele pediu um pouco de ar ao conseguir largar aquela rua, descer a Gonçalves Dias, chegar à Bias Forte, largar mão daquela praça.
Correu pra comprar pipoca – mas deixou o dinheiro à venda no mercado livre. De todo jeito, faltavam R$0,50. De grão em grão em grão em grão em grão em grão – um saco inteiro de pipoca.


Quarta:

Isso era quarta.

Ele não ligou pra vida, não comeu quase nada, roubou motocicletas de novo, espremeu, chupou, limpou, beijou, correu de crianças, limpou a privada, sorriu para o azar, transou com os pais, cadela-mulher e todos os livros, subiu só, rezou pelo medo, medo, medo, medo, medo, medo, medo, morreu só, sozinho de tudo, no banheiro publico.