quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Tema: Lady Gaga

Romance Ruim
(À Fausto Silva, Mao Tse-Tung e Andy Warhol)

Essa história toda começou num daqueles dias improváveis, sabe? Pensa num dia improvável, sei lá... uma terça-feira. Acho que foi isso mesmo e só me faltava assobiar a música que tocava no rádio – música grudenta, um apelo meio minimalista usado pra fins comerciais, me lembrava um pouco as músicas da década passada nos clubs.
E bem no esquema historinha, eu assobiava, quando dois homens me seguraram pelo antebraço, quase me carregando. Contestei, claro, sem muito escândalo com medo de ser um assalto. Eles me ordenaram silêncio, falaram para eu confiar neles.
É um tanto quanto ridículo isso. A última coisa que eu faria se eu fosse um conspirador maluco que quer recrutar pessoas em segredo e inopinadamente, seria falar para elas algo como um “confie em mim”. Confiar é o caralho. Ora, vamos ao mundo real, não? Se dois homens te seguram pelo braço, muito claramente intencionando alguma coação qualquer; qual é! Eu confio no diabo que não é humano, mas em vocês não, camaradas... vocês não.
-Entra no carro.
-Pra onde? O que tá acontecen...
-Confie em nós.
Bem dita a era da informática que reestruturou a comunicação escrita. Nos e-mails, bate-papos em geral, existem aqueles tais emoticons. E eles atendem muito perfeitamente a algumas situações como essa. Na hora que a figura me veio de novo com essa de “confiar” enquanto eu entrava no carro, eu reagi com um olhar que só um emoticon consegue exprimir graficamente. É algo como um: ¬¬
Meus braços doíam no carro apertado. Imagino que você, leitor, tenha uma cena de dois brutamontes vestidos de preto e óculos escuros me rodeando. O espírito é esse mesmo. Mas não eram assim, eram seres humanos muito normais - um deles não me era nem estranho, e ambos poderiam andar na rua sem a menor suspeita. Não eram fortes, talvez até mais franzinos que eu. Mas eram dois, e por maior que eu fosse, é como diz o ditado...
-Boa tarde, sr .:
- Como diabos você sabe meu nome? – me desesperei com a certeza de um seqüestro relâmpago.
Mas descobri que não era. O rapaz que eu, de alguma forma, identifiquei como um distante conhecido era um sujeito que me puxou de conversa no ponto de ônibus numa outra terça-feira, porque eu estava lendo um simples e maldito livro de poesias. E ele “que livro é esse?” e eu “Manuel Bandeira, conhece?” “sim... é... hum...você escreve?” eu “sim, já até tentei publicar uns livros de artigos acadêmicos” “olha, eu sou professor de literatura, escrevo também”... Lembro que fora uma conversa legal, produtiva, que até me fizera perder um ônibus. No final, nos apresentamos, deixei meu cartão e a partir daí, pelo que soube no carro, eu fui muito bem rastreado usando aquelas informações. Até aquele momento infeliz.
- A idéia é a seguinte sr.:, nós somos um grupo. Um grupo de escritores, como você. Na verdade nós somos todos os escritores do mundo...
-Nós? O motorista também?
- O motorista também.
-ah... e só?
- Faça-me o favor, sim? – ele usou aquele mesmo rosto do emoticon – Sr.:, nós somos um grupo enorme que se organizou em prol de um bem maior: a inteligência humana desperdiçada na falta de valor às obras primas. Os excessos da internet, o mau uso e desuso das obras que são de nosso direito, o capitalismo editorial, a pirataria – tudo aquilo que desvaloriza a nossa arte...
-Espera aí, como se já não bastasse toda a crise que está acontecendo, vocês ainda estão botando lenha na fogueira e dificultando as coisas com discussão e ...não é discussão?!?... você está querendo me dizer o que? Foram vocês?!?!
Caros leitores, eu bem gostaria de supor o conhecimento prévio de vocês acerca de a que crise eu me refiro. Porém, tendo em vista a excessiva atualidade da coisa, temo que, aos olhos da historiografia, da sociologia, ou melhor, da memória social, o fato citado, se perca algum dia por motivo de força maior. Portanto, esclareço.
Em idos da transição das primeiras décadas do século, houve um momento de crise no setor editorial – não falo da questão da pirataria ou dos direitos autorais, mas algo mais palpável, quase terrorista – empresas relacionadas a esse mercado faliram, devido a ações criminosas como vandalismos, hackeamento, roubos – tudo isso em instituições como as que fabricavam materiais como tinta para cartuchos de impressoras, ou as próprias gráficas, algumas livrarias, lojas de informática... Por conta disso, houve problemas em publicações, a mídia periódica entrou em crise de recursos e, por algumas semanas não houve nenhuma impressão de livro, e mais: sumiram-se as novidades. Ninguém publicava mais nada.
E tudo se explicava ali, naquele momento da descoberta em que atravessávamos a grossa porta de um galpão para uma escada enorme que dava num subsolo, no qual fora construída uma sala de proporções que, se eu fosse descrever, precisaria comparar e aí pareceria mentira. Era verdade: todos os escritores do mundo estavam ali; muitos foram seqüestrados, outros coagidos, mas muitos simplesmente integravam aquela organização diabólica.
- Pedro, por favor, com licença – nós passávamos por um grupo de quatro rapazes e uma moça logo na entrada – crianças, esse é o Sr.:... agora, Matheus, contacte o pessoal. Podemos começar a assembléia essa noite: o ultimo escritor chegou.
Essa assembléia (e eu não sei por que decidiram esse nome, já que estava mais para um comunicado sobre um determinado plano de ação) tinha como pauta uma das últimas e principais ações do grupo.
Pois bem, além do ataque a editoração e os boicotes a literatura vendável, o grupo resolveu reagir através de alguns ataques àquelas formas de expressão que eram consideradas inimigas das Belas Letras.
-... e então, na última semana, boicotamos também a industria cinematográfica. Claro que foi muito mais difícil e obtivemos muito menos êxito. Mas a proposta, a princípio é o susto. O que queremos é destroçar toda a mitologia que essa praga de século nos impôs. Nesse exato momento, em Nova Jersey, bombeiros estão limpando a cinza de mais de 3.907.000.000 exemplares de diversas revistas em quadrinhos queimadas numa ação conjunta. A indústria fonográfica, por si só, já está em crise, portanto não nos ocupamos com ela exatamente: mas com a iconologia que ela criou. Queremos acabar com essa mitificação da imagem de pessoas que se passam por artistas, através da música.
Essa mesma última frase fora repetida posteriormente por um escritor famoso no momento da introdução da assembléia. Antes, quando o rapaz do ponto de ônibus ainda me explicava as ações do grupo, eu perguntei sobre como eles se organizaram.
- Bem, a gênese dessa iniciativa é um mistério – mas através de cartas, parece que a maioria ficou sabendo. Alguns ignoraram, outros foram descobertos, como você. O processo foi longo. Juntamo-nos e os problemas estruturais foram resolvidos com o “tempo”- ele fez o gesto para essas aspas, seguido daquele roçar de dedos que simboliza dinheiro - afinal, a mulher mais rica do mundo é aquela escritora infanto-juvenil, certo?
- Não é a Oprah? – perguntei.
-Não!- me respondeu meio bravo um daqueles rapazes, cujo nome era, ou Túlio ou Luiz...
Pois bem, adiantemos para assembléia, aonde todo mundo (do mundo todo), com um fone de ouvido para tradução, escutava aquela frase repetida a que eu me referi.
- Queremos acabar com essa mitificação da imagem de pessoas que se passam por artistas, através da musica. – era o tal escritor famoso cujo nome não cito, por ordem ética – A música só é exemplo, pois, atualmente, ela se envolve nesse hibridismo entre essas artes visuais; hibridismo que tem empobrecido, e muito, a cultura de massa, mastigando as coisas e as entregando vomitadas. Após anos tentando nos enfiar nesse meio, mudá-lo, tomar parte, ter cadeira cativa no que hoje se chama de cultura (mas que não passa de uma imposição hegemônica, devo ressaltar); percebemos que a literatura perdeu vez. O que nos resta é uma atitude extrema: atacaremos uma dessas imagens, para chamarmos a atenção para nós.
(ovações)
- Por muito tempo procuramos ícones dessa “cultura pop” – ele também fez aquelas aspas irritantes com os dedos - e inclusive, recentemente, perdemos um daqueles que era o nosso melhor bode expiatório, justamente por termos exagerado na dose...
A moça que estava do meu lado, menina, pra ressaltar sua aparência jovem, chamava-se, pra não me enganar muito, Catarina, ou algo assim bem brando. Perguntei-a se ele estava falando de quem eu estava pensando.
- Aquele cantor? É... – eu cochichava – o tal do Mich... – fiz gestos que questionavam se também tinha a ver com o que ocorrera ao tal homem.
Ela, mais atenta ao discurso, só acenou com a cabeça o sim.
“Monstros”, pensei.
-E agora, temos a nossa intenção. Chantagear a cultura, com aquilo que está em seu auge, com um sacrifício mais saudável. Seqüestraremos aquela que representa um excesso de cultura pop, um excesso de tudo aquilo que nos abomina. A chamada Lady Gaga!
Fiquei um tanto perplexo. Palmas muito enérgicas, mas ainda assim, educadas, encheram o local. Percebi que percebiam meu assombro.
“Em Tróia, como os troianos”, pensei e comecei a bater palmas.

(continua...)

Um comentário:

  1. Meu caros amigos,
    Peço desculpas pela demora nessa semana que foi e ainda está sendo e há de se estender assim, uma loucura a qual eu estou me adpatando.
    Peço, para que, apesar desse erro meu que me impede de fazer certos pedidos, nós não percamos o cuidado e o compromisso em manter, no blog, alguma regularidade, de forma a legitimá-lo como um projeto - despretensioso, mas projeto.
    Portanto, tentemos postar o quanto antes o tema (a quem for incumbido fazê-lo nessa semana) e os textos dentro do limite préviamente estabelecido (até, no máximo, a próxima quarta). Claro que peço isso, reconhecendo que não é simples assim, mas não custa tentar, né?
    Muitíssimo agradecido,

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