sábado, 26 de junho de 2010

Tema: Frango

Por falta de poesia ou coisa melhor...

-Mas é carne, não é?
-Não... é como se não fosse... não tem sistema nervoso.
-Como não?
-É, ora... peixe não tem sistema nervoso, não sente dor...
-Afemaría.. essa agora. Não to falando do peixe, ô... tô falando do fran...
-psst! Não vamos falar essa palavra, por favor...
- Por quê?
-Olha, vamos evitar o óbvio, só isso. Esse tipo de coisa tem que ficar subentendido...
-E aqui vamos nós, com esse papinho misterioso furado...
-Enfim...
-É, então você come ou não come essas merdas...
-Ai, olha o respeito. Comer merda é a mã..
-...
-Ai, desculpa!
-hã?
-É que eu vivo dando essas bolas foras; ai meu deus... e eu não falo nada desde que sua mãe morreu... que jeito de tocar no assunto...
-Êpa, minha mãe não morreu, você enlouqueceu?
-Eu sei, eu sei...
-Pára com isso! Tem ninguém morto lá em casa não... pessoal tá com a saúde de ferro, nem que eu queira aquele povo morre
-É, é verdade... não sei, não sei o que me deu..enfim...
-É.
-Tá legal, vão pedir a comida? Cê quer o que?
- Sei lá... pode ser esse galeto aqui...
-Isso, usa essa palavra, é melhor mesmo... Eu fico com a salada, tá moço?
-Quanto tempo?
-Quanto tempo o quê?
-Você não sai com alguém?
-Isso é pergunta de se fazer na frente do garçom?!?! Ai, que vergonha...
-Curiosidade...
-Pára, né?
-...
-Enfim...
-Tudo bem, melhor não saber. Tenho perguntas melhores.
-“sua estupidez não lhe deixa ver...”
-Gal?
-Roberto. Adoro essa, lembra meu pai.
-ah...
-enfim...
-é. Enfim.
-Que foi?
-Nada,
-Duvido.
-De quê?
-Nada.
-Duvida de nada?
-Não duvido de nada...
-Cê não acha meio brega, não?
-O que?
-A dúvida....
-como assim...?
-Tô brincando, o Roberto.
-Claro que não!
-Eu acho...
-Lembra meu pai...
-Não lembra o meu.
-Que musica lembra seu pai?
-Ah, chorinho... Samba...MPB... Ele adora a Elis.
-E sua mãe? De que ela gostava?
-Ela gosta dos Stones, dá pra acreditar? Lá em casa é assim.
-...
-...
-... então... você acha que me ama?
- O que???
-Eu acho que não.
-Pra que a pergunta...?
-Pra você responder...
-Olha, tirando o cheiro que ficou no meu casaco e umas lembranças ou uns pensamentos de te encontrar logo ali na esquina sem querer... Eu também não sei...
-Nossa, que romântico, hein?
-Eu não sei responder.
-Era brincadeira.
-Era?
-Não.
-Não?
-É.
-É o que?
-Brincadeira.
-É ou não é?
-Você nunca ouviu isso?
-Ouviu o que? Uma brincadeira? Ou que alguém me ama?
-Eu sei que quando sua mãe era viva ela te falava “eu te amo”... tô perguntando é se você já ouviu alguma brincadeira assim saindo de mim.
-Minha mãe não morreu, porra!
-Peraí, ce ta indo embora?
-...
-Não vai não! Caralho, eu to só conversando... calma lá. Ai, assim não. Não vai embora assim...
-Não se faz as coisas assim, desse jeito, tá legal?
-Tudo bem, só espera chegar o prato...
-Isso tá ficando desgastante...
-Eu tô morrendo de fome...
-Eu não sei o que dói mais...
- o galeto! Chegou...
-O que você queria com isso? Eu não suporto essa coisa toda...
-Dá um tantinho do seu arroz? Não to agüentando de fome...
-Eu amo sim.
-enfim...
-Toma o arroz.
-Tá boa, a carne?
-Você disse que não era carne...
-É sim. Peixe que não é. Chegou, a salada...
-é... desisto...
- De quê?
-Não lembro.
-Sabe o que deve ser ruim?
-O quê?
-Ter asas e não voar...
-É, é mais ou menos como que olhar pra você.
-Concentra no que você ta comendo, aí, vai...
-Você que começou.
-Não, foi você quem perguntou primeiro...
-Eu???
-E por último também.
-O que eu perguntei?
-Aí, de novo.
-Foi você quem veio me perguntar se eu te amava.
-Foi você quem veio perguntar se era carne ou não.
-Que é que tem a ver?
-Carne com amor? Tudo!
-Ah, então tá... é amor ou carne?
-Que pergunta maluca... você anda estranho desde que sua mãe mo...
-Minha mãe não morreu! Merda.
-Tá legal. Ela não morreu, peixe é carne e você me ama. Temos todas sentenças montadas. Mas e frango?
- Ah, vá à merda....
-...
- Eu não amo frango, mas é carne e sim, tá morto. E eu tô comendo.
-Mas não é galeto?
- Frango não era uma palavra proibida?
-Você conseguiu não usar o óbvio?
-Como assim?
-Eu queria evitar o óbvio. Mas você não conseguiu. Então, pode falar frango.
-Hum...
-Vamos começar de novo: Sua mãe não morreu, peixe é carne, você me ama...
-Roberto Carlos é brega...
-Roberto não é brega. Seu pai deve gostar de “As curvas da estrada de santos”... Se for brega eu mato tua mãe.
-Mata não. Deixa isso pra lá.
-Sua mãe não morreu, peixe é carne, você me ama, Roberto Carlos não é brega e você tá comendo frango.
-Mas acabou.
-O que?
-O amor.
-...
-...
-...
-Amigo, traz outro frango?

Garçom: - É galeto, senhor.

Um comentário:

  1. Muito legal a experiência, gostei.

    Bela demonstração de intransigência humana hodierna.

    ResponderExcluir